Em declarações à SIC e à TVI no final de uma cerimónia de descerramento do seu retrato oficial na Procuradoria-Geral da República (PGR), Lucília Gago, questionada sobre as palavras do chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, na tomada de posse do seu sucessor à frente do Ministério Público, Amadeu Guerra, recusou comentar o discurso.
“Não vou fazer qualquer comentário ao discurso do senhor Presidente (…). As pessoas são naturalmente livres de fazer os discursos que entendem fazer”, disse Lucília Gago.
Já sobre o processo Operação Influencer, no qual está ainda a ser investigado o ex-primeiro-ministro António Costa, a antiga PGR disse que qualquer procurador-geral gostaria que os tempos de investigação fossem mais curtos, mas rejeitou pressões mediáticas para o efeito.
“Qualquer PGR, e eu em particular, gostaria que os tempos de ultimação dos inquéritos fossem mais curtos do que aquilo que acabam por ser, agora não é por existir maior ou menor pressão mediática relativamente a este ou aquele caso que se podem encurtar os tempos necessários para se ultimar as investigações”, disse.
Na cerimónia de posse de Amadeu Guerra, o Presidente da República agradeceu à procuradora-geral da República cessante, Lucília Gago, os seus seis anos de serviço, reconhecendo que foram “mais de agruras e incompreensões” do que de bonança, salientando que exerceu o cargo num “contexto nada propício”.
“Agradeço-lhe estes seis anos, fundamentalmente mais de agruras, incompreensões, sacrifícios, do que bonança, mar sereno ou bons ventos”, declarou Marcelo Rebelo.
Num breve discurso, o chefe de Estado recordou que, há seis anos, Lucília Gago sucedeu a Joana Marques Vidal “em condições particularmente difíceis, nomeadamente um juízo coletivo muito crítico quanto ao tempo da Justiça, ainda mais crítico na justiça penal complexa, internacionalizada, envolvendo poderes políticos, administrativos, económicos e sociais”.
“Mais o confronto constante entre uma opinião pública e/ou publicada, cada vez mais exigente, e considerando cada omissão ou atraso sinal de proteção dos abusos e abusadores. E uma outra opinião pública e ou publicada cada vez mais queixosa e ou denunciante dos abusos da Justiça, tidos como perseguição às pessoas e, nelas, aos titulares de poderes políticos, administrativos, económicos e sociais”, disse.
Tudo isso, prosseguiu, “enquadrado por um debate público que antecipa a formulação de julgamentos como consequência certa ou errada da lentidão, tantas vezes injustificada, da máquina da Justiça”.
“Se somarmos a quanto fica dito, incompreensões e agravos passados, orgânicas, procedimentos e meios pensados para outros tempos e desafios, a inevitável saída de gerações dos princípios da democracia, novos problemas colocados por mega, ou quase mega, processos em ambas as magistraturas – e falo apenas no domínio penal para não abarcar outras áreas e outras solicitações – estes últimos anos não foram um contexto nada propício”, frisou.
Marcelo acrescentou ainda que, entre os desafios dos últimos anos, houve “a explicitação de um debate, até há poucos anos subliminar, quanto a graus de autonomia externa e interna, e hierarquia, e a sua efetivação no dia-a-dia das pessoas e das instituições”, assim como uma “recorrente dificuldade de encontrar fórmulas de comunicação com a sociedade”.
Apesar de salientar os seis anos “mais de agruras” do que de bonança, Marcelo Rebelo de Sousa disse a Lucília Gago que lhe “sirva de consolação que muitos outros, na vida cívica, em momentos vários, sofreram idênticas ou mais onerosas penas ou preocupações”.
O final de mandato de Lucília Gago ficou marcado pela divulgação da Operação Influencer, através de um comunicado cujo último parágrafo a informar que o então primeiro-ministro era também visado na investigação levou à queda do Governo, a uma crise política e eleições antecipadas, motivando críticas à atuação do Ministério Público, acusado de uma atuação politizada num caso em que António Costa não foi até ao momento constituído arguido.
A Operação Influencer levou no dia 07 de novembro de 2023 às detenções do chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, do advogado e consultor Diogo Lacerda Machado, dos administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas. São ainda arguidos o ex-ministro das Infraestruturas João Galamba, o ex-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o advogado João Tiago Silveira e a Start Campus.
O processo foi entretanto separado em três inquéritos, relacionados com a construção de um centro de dados na zona industrial e logística de Sines pela sociedade Start Campus, a exploração de lítio em Montalegre e de Boticas (ambos distrito de Vila Real), e a produção de energia a partir de hidrogénio em Sines.
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