O colóquio “Ecos de abril em França, visões e movimentos do passado e do presente” surge na conclusão do ciclo de seminários “O corpo nos seus movimentos, resistência, dissidência e protesto – Ecos do abril português”, mas também no âmbito do trabalho de investigação e de reflexão do laboratório do Centro de Estudos Interdisciplinares do Mundo Lusófono (CRILUS), disse à Lusa a organizadora e diretora do centro, Graça dos Santos.
“Os acontecimentos políticos internacionais estão a antecipar a nossa necessidade de querermos pensar o nosso hiper-contemporâneo com uma base, uma reflexão de um passado que não foi bem desconstruído e que não foi transmitido devidamente. É o que nós tentamos fazer” sobre questões artísticas, como a literatura, cinema e música, afirmou a investigadora da Universidade de Paris-Nanterre.
A Contemporânea, maior biblioteca europeia de arquivos sobre a história contemporânea, localizada na Universidade de Nanterre, acolheu o primeiro dia do colóquio com a sessão de abertura que contou com cerca de 40 participantes, aos quais se juntaram mais tarde duas dezenas de alunos do primeiro ano da licenciatura de português, enchendo a sala.
Ao longo das sessões foram apresentados trabalhos de investigação com temas pouco debatidos, como “jazz, política, ativismo e resistência no Portugal colonial” pelo investigador sénior do Conservatório Royal Birmingham, no Reino Unido, Pedro Cravinho.
“Fui músico, toquei também jazz em vários contextos, e quando estudei musicologia percebi que as narrativas sobre a história da música tendem a excluir algumas práticas musicais, e havia muito trabalho por fazer no que diz respeito à história do jazz em Portugal”, disse à Lusa.
O investigador tem desenvolvido um trabalho de “trazer outras vozes para a história [do jazz], que têm estado, em certa medida, ausentes, ou outras áreas geográficas que, tendencialmente, não foram incluídas nessa história que tem vindo a ser publicada” sobre o jazz.
Para Graça Santos, é “muito interessante o cruzamento” de investigadores de diferentes departamentos, de “áreas que não se cruzam muito”, e de “pessoas que vêm de outros países, que têm uma abordagem também um pouco impertinente, não são visões clássicas”.
A escolha da biblioteca também foi pensada, pois possui “arquivos inéditos que não há em outros sítios, sobre as várias resistências, as lutas a nível internacional, tem um fundo sobre Portugal e as [antigas] colónias”, afirmou a investigadora.
Além disso, nas redondezas existiu um “‘bidonville’ [bairro de lata] onde viveram portugueses”, incluindo o pai de Graça dos Santos, “e essas pessoas trabalharam para construir o edifício”, acrescentou.
Para a investigadora, “há uma necessidade de dar corpo às vozes que foram caladas, e a Universidade de Nanterre dá essa possibilidade”, referindo a aposta nos estudos de língua e culturas portuguesas e que, por isso, este trabalho irá continuar no futuro “mas não tanto relacionado com o 25 de Abril”.
O evento é também organizado pela Cátedra Lindley Cintra do Instituto Camões, que realizou anteriormente colóquios em Paris sobre a temática de mulheres escritoras durante o período ditatorial, como Maria Júlia de Carvalho, e sobre o futurismo.
A Cátedra, criada em 2002, representa “um ponto de ligação entre Portugal e o departamento português da Universidade de Nanterre”, a nível cultural, de ensino e patrimonial, com um programa de temáticas como “o pós-colonial e o pós-ditatorial”, afirmou o diretor e docente José Manuel da Costa Esteves.
Segundo o docente, o departamento conta com 300 estudantes “desde a iniciação, que começam a aprender português, até um nível de doutoramento ou mesmo de pós-doutoramento”, que participam no atelier de teatro e nas aulas orientadas para a oralidade.
“Nós damos a possibilidade aos nossos alunos, também fora das aulas, de poderem ler textos, quer em espetáculos produzidos pela companhia Cá e Lá, dirigida pela professora Graça dos Santos, quer em manifestações de rua que fazemos todos os anos (…). Paris proporciona muito esse tipo de atividades”, afirmou.
Relativamente aos restantes dias do evento, Graça dos Santos sublinhou a realização de uma sessão de jovens investigadoras da Universidade de Nanterre na sexta-feira.
“A escolha [dos temas] era uma vontade de mostrar o que é que as doutorandas do nosso departamento e de outros departamentos lusófonos estão a trabalhar, muito ligado com o tema de investigação do CRILUS, na Universidade de Paris-Nanterre, como a questão do corpo, da ditadura, da censura”, disse Marina Bertrand, doutoranda de literatura e coordenadora da sessão de jovens investigadoras.
Embora de diferentes áreas, as investigadoras conseguiram encontrar paralelos, com Marina Bertrand a desenvolver um trabalho sobre Maria Isabel Barreno, “conhecida em Portugal como uma das Três Marias, que escreveu o livro Novas Cartas Portuguesas com Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, censurado em 1972”, mas querendo “mostrar tudo o resto que a escritora fez” para além do livro pelo qual ficou conhecida.
“Na nossa mesa redonda, temos a vontade não só de mostrar os nossos trabalhos, que é o objetivo principal, mas também de mostrar aos jovens que tudo está ligado e que podemos falar de tudo e, sobretudo, livremente”, com temas pluridisciplinares, sem “falar dos escravos ou dos Capitães de Abril”, acrescentou Marina Bertrand.
Sexta-feira e sábado, o colóquio sobre a Revolução dos Cravos passará pela Casa de Portugal e pela Casa do Brasil, na Cidade Internacional Universitária de Paris.
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