“Confirmo a minha perspetiva de que não é verosímil que Machado da Cruz tivesse feito por iniciativa própria. Mas não tenho evidência de porque é que Machado da Cruz fez isso e se foi por orientação de alguém… Mas não acredito que tivesse feito por sua iniciativa”, afirmou o antigo responsável da KPMG Portugal, que liderou entre outubro de 2006 e setembro de 2021.
Ouvido como testemunha no Juízo Central Criminal de Lisboa, Sikander Sattar foi questionado pelo Ministério Público (MP) sobre a expressão “erro intencional” usada acerca do passivo das contas da ESI e sobre quem teria beneficiado com isso, apontando na direção dos acionistas.
“O que posso dizer é que houve muitos prejudicados… O erro intencional, que foi dito aparentemente pela comissão de auditoria, que é cometido várias vezes ao longo de vários anos e que tem como objetivo ocultar passivo de uma entidade só pode ser para o benefício dos acionistas dessa entidade. Não há outra conclusão”, resumiu.
Sikander Sattar revelou também que nas questões envolvendo a ESI (holding do grupo para as áreas financeira e não financeira) nunca falou com o presidente da sociedade, António Ricciardi, mas sim com o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, que era apenas membro da administração desta entidade.
“Não era o presidente, mas era a pessoa que eu conhecia. quem liderou da parte da ESI ao nível do conselho de administração todo este trabalho foi Ricardo Salgado. Eu não tinha relação com os outros administradores da ESI nem era capaz de dizer a composição da administração”, admitiu.
Segundo Sikander Sattar, mesmo antes do final de 2013, quando foram conhecidos publicamente os problemas financeiros da ESI, a KPMG já havia demonstrado “alguma preocupação” sobre a exposição da Espírito Santo Financial Group (ESFG, holding financeira) ao GES, por causa da concentração, logo em 2011 e 2012, de papel comercial da ESI em dois fundos de investimento da ESAF: os fundos ES Rendimento e ES Liquidez.
“Embora estivesse dentro do que as regras permitiam, entendemos emitir uma ênfase de concentração nesses fundos de papel comercial da ESI”, referiu, acrescentando que no segundo semestre foi alterada a legislação para um máximo de concentração de 20%, o que levou a comercialização do papel comercial para os balcões do banco.
Mais tarde, Sikander Sattar abordou a recompra de obrigações pelo BES no verão de 2014, considerando-a “a última machadada” no GES, ao notar que essa operação deixou junto de uma “contraparte desconhecida até hoje” um lucro de 780 milhões de euros, em vez de essa verba ficar no BES.
“Só num mês houve um prejuízo de mais de 200 milhões de euros”, notou o ex-presidente da KPMG, que vincou que os lucros não ficaram no ES Bank Panamá e que nunca chegou a receber contas da sociedade Eurofin, que teria estado envolvida nesta operação, descrevendo esta última entidade como “uma caixa negra que nunca foi aberta”.
O julgamento prossegue na próxima terça-feira, com a continuação da inquirição a Sikander Sattar.
O ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, é o principal arguido do caso BES/GES e responde em tribunal por 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014.
Além de Ricardo Salgado, estão também em julgamento outros 17 arguidos, nomeadamente Amílcar Morais Pires, Manuel Espírito Santo Silva, Isabel Almeida, Machado da Cruz, António Soares, Paulo Ferreira, Pedro Almeida Costa, Cláudia Boal Faria, Nuno Escudeiro, João Martins Pereira, Etienne Cadosch, Michel Creton, Pedro Serra e Pedro Pinto, bem como as sociedades Rio Forte Investments, Espírito Santo Irmãos, SGPS e Eurofin.
Segundo o MP, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
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