Manuel Andrade escreveu uma celebração à vida em forma de romance no seu novo livro, “O tempo entre os nossos dedos”, romance que é ainda uma reflexão sobre o impacto do tempo no nosso destino individual e coletivo.
Já lhe chamaram de tudo. Até na literatura. Marguerite Yourcenar dizia que ele era o “grande escultor”, Julian Barnes referiu-se ao seu impressionante “ruído”, Antonio Tabucchi defendia que o mesmo “envelhece depressa” e João Luís Barreto Guimarães acredita, afinal, que ele “avança por sílabas”.
Omnipresente e omnipotente, o tempo é também o eixo central do novo romance de Manuel Andrade. Fá-lo numa perspetiva profundamente pessoal que ajuda a conferir um toque distintivo em relação à plêiade de abordagens que encontramos em muitos livros.
O que importa em “O tempo entre os nossos dedos” não é tanto o reconhecimento da sua importância avassaladora na transformação do que julgávamos imune aos seus efeitos, como as civilizações poderosas que entram lentamente em ruína, mas o quanto ele (o tempo, bem entendido) é, antes de mais, um assunto ou matéria do foro íntimo. Ou não fosse na esfera mais secreta do indivíduo que o impacto da sua passagem se faz notar primeiro.
Afonso é a figura em torno da qual todo o romance se edifica. A partir de um encontro fortuito com uma personagem vagamente familiar da sua infância – a prestável e simpática secretária do seu dentista, que lhe ofertava doces para minorar a angústia do petiz -, o até aí distraído homem entra numa espiral retrospetiva que o faz olhar com outra atenção para aquilo que o rodeia.
A contemplar paisagens outonais ou a evocar acontecimentos há muito ocorridos, dá por si “a meditar, a encasquetar na mona, tentando entender, de uma vez por todas, que o tempo tudo dilacera, tudo distancia, tudo torna irrelevante e risível, como se nada verdadeiramente importasse ou fosse contínuo”.
Essa consciência da inutilidade de tudo, pela forma como acaba por terminar na campa rasa do esquecimento, não faz de Afonso um ser sombrio ou subitamente nostálgico, como se poderia pensar. Pelo contrário. Torna-o um fruidor nato da beleza que irrompe dos locais mais improváveis. Seja “um ninho de pássaro com cada palheira muito arranjadinha num redondo” ou “uma obra maior de Fernando Távora”, gizada com a arte e a mestria do afamado arquiteto.
Viagem ao fundo de si mesmo, “O tempo entre os nossos dedos” é também (ou sobretudo?) uma celebração da vida em todas as suas matizes.
“O tempo entre os nossos dedos”
Manuel Andrade
Idioteque