Foi num arrepio que Bruno Brini soube da batalha que Ana Rita Campos trava, há um ano, contra um cancro da mama agressivo que lhe ameaça a vida, e não hesitou em fazer aquilo que lhe enche a alma e a que se dedica de coração: ajudar. Para isso, tratou logo de planear mais um torneio solidário de futsal da Associação Desportiva de Árvore Forças Segurança Unidas (ADAFSU), organização a que preside e que junta polícias, bombeiros e seguranças privados.
Em campo, estes profissionais vão jogar com a missão de ajudar a alcançar os 84 mil euros de que Ana Rita Campos, enfermeira de 42 anos, precisa para ter acesso a um medicamento que a ajudará a prevenir o alastramento da doença a órgãos vitais. Entretanto, Rita – como é conhecida por todos – criou a petição pública online “Pedido de comparticipação do medicamento Abemaciclib como prevenção de recidivas do cancro da mama”, para que o fármaco passe a ser comparticipado como terapêutica preventiva, como já acontece em vários países.
Marcado para 1 de julho, o torneio de futsal será o segundo evento que a associação, sedeada em Vila do Conde, organiza fora de portas, fazendo-a rumar até Odivelas, onde Rita vive com o marido e os dois filhos, um menino de seis anos e uma menina de três. Nesta cidade do distrito de Lisboa, a ADAFSU conta com um aliado precioso: os Bombeiros Voluntários de Odivelas associaram-se à causa e são parceiros na organização do torneio, que terá lugar no pavilhão do Ginásio Clube de Odivelas. As inscrições de equipas estão a decorrer, e a associação pede apoios para a deslocação e estadia.
“Soubemos da situação da Rita, que tem dois filhos menores, e este é um caso que mexe connosco. Este evento é, também, um alerta para futuros casos de outras “Ritas”, em que a ajuda tem de ser através de ações solidárias, porque o medicamento em causa é muito dispendioso. O objetivo da Rita é que, futuramente, o medicamento possa ser disponibilizado [pelo Serviço Nacional de Saúde]. Queremos que este torneio seja marcante e que faça a diferença nestas causas”, diz ao JN Bruno Brini.
Sem meios financeiros para fazer face ao custo da terapia, que urgia iniciar, Rita e o marido, Nuno Assunção, lançaram, em abril, uma campanha de angariação de fundos na plataforma “Gofundme”. Os donativos multiplicaram-se e permitiram que a enfermeira de Odivelas iniciasse neste mês o tratamento de dois anos com Abemaciclib, fármaco que custa 3500 euros por mês, um valor superior aos dois ordenados do casal.
O dispendioso medicamento é a esperança de Rita, que, no ano passado, e ainda a amamentar a filha mais nova, descobriu que tinha cancro nas duas mamas – carcinoma invasivo da mama e bilateral -, já com o comprometimento de gânglios linfáticos e de tecidos exteriores aos gânglios, o que agrava o risco de metástases. O prognóstico traçado pelos médicos não deixou dúvidas: apesar dos tratamentos (quimio e radioterapia) e das cirurgias por que passou (mastectomias e esvaziamento da axila), a probabilidade de a enfermeira voltar a ter cancro, mas desta vez num órgão vital – como pulmões, fígado ou cérebro -, é muito elevada e pode ser fatal.
Rita foi, por isso, proposta para o tratamento com Abemaciclib mas, em Portugal, este fármaco não está a ser usado para prevenção, e sim como tratamento paliativo, pelo que não é comparticipado como medida preventiva, atingindo, para este fim, um valor incomportável. No entanto, o medicamento “já foi aprovado pelas sociedades de oncologia europeia e americana, e está a ser utilizado noutros países para prevenção”, destaca Ana Rita Campos, que pode conseguir um “aumento da esperança de vida” se fizer esta terapia, cujos resultados já estão comprovados em estudos.
Ainda com cerca de 15 mil euros em falta para atingir a totalidade do custo da terapia, a enfermeira quer, agora, lutar também por outras mulheres em situação idêntica, para que possam ter acesso ao Abemaciclib. “Quero levar a mensagem de que há outras pessoas a precisar deste medicamento, e não está a haver equidade no acesso à saúde. Este medicamento já está a ser usado para prevenção na Europa há três anos, e não percebo por que cá não é usado. Eu consigo fazer o tratamento, mas e então as outras pessoas? Há quem não tenha hipótese, como eu, que tive de pedir ajuda, e quero também ajudar outras pessoas a terem o direito e a hipótese de fazer este tratamento, que faz toda a diferença. Por que não investir na prevenção?”, questiona a enfermeira, que pretende lançar “um grito de alerta” ao criar a petição.
No documento, que está alojado na plataforma online “Petição pública”, sublinha que “desde 2020 há evidência científica que este medicamento é também eficaz na prevenção de recidivas de doentes com cancro da mama com elevado grau de risco de recidivas (ensaio clínico MonarchE), sendo a sua utilização para este fim aprovada pela Agência Europeia do Medicamento e recomendada como tratamento adjuvante pela Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) e pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO)”. E acrescenta: “em Portugal só é possível realizar o tratamento adjuvante em hospitais privados, uma vez que o Infarmed ainda não autorizou a utilização do Abemaciclib nos hospitais públicos para esta indicação, autorizando apenas para tratamento paliativo”.
“Quando soube deste medicamento, pensei logo: ‘não tenho possibilidades; como vou fazer? Tenho uma maior probabilidade de reduzir o risco e não vou conseguir fazer isto’. Senti angústia e senti-me injustiçada, porque havia uma coisa que podia alterar tudo e melhorar a minha esperança de vida e era inalcançável para mim, porque não tinha dinheiro”, recorda Ana Rita Campos, que agradece o apoio que tem recebido. “Foi realmente incrível ver a solidariedade das pessoas, a generosidade, e, agora, vou fazer tudo para ajudar os outros. É, também, uma forma de gratidão”, diz.
Além da angariação de fundos na plataforma “Gofundme”, em “Enfermeira e mãe jovem – tratamento para cancro”, é possível ajudar com donativos para a conta com o NIB 006100500552474050048.