Não está posta em causa a legitimidade democrática do Governo. Decorreu pouco mais de um ano desde que António Costa e o Partido Socialista foram legitimados nas urnas com uma votação clara e expressiva.
O PS governa no conforto de uma maioria absoluta e reúne, por isso, todas as condições para implementar o seu programa e disseminar a sua agenda de políticas públicas.
Ainda que, no plano estritamente teórico, a legislatura fosse interrompida por dissolução do Parlamento, não se afiguraria provável uma alteração profunda do quadro político atual. Assiste, portanto, razão ao presidente da República quando este afasta um cenário de eleições antecipadas. Fazê-lo equivaleria a somar às dificuldades económicas decorrentes de dois anos de pandemia e da subida abrupta dos preços de bens essenciais uma crise política. Tudo o que país não precisa.
Há, ainda assim, duas dimensões que sobressaem da crise governativa que assolou o país nas últimas semanas. O pecado original dá-se, desde logo, na constituição do Governo, quando António Costa, interessado em condicionar a luta pela liderança do partido, entende fazer escolhas para consumo interno, assentes em lógicas de aparelho e de partilha de poder, logo pouco representativas da sociedade civil e distantes das empresas e instituições que operam à margem da bolha partidária. As consequências desta opção estão à vista: disfuncionalidade na organização do Governo, desarticulação entre responsáveis ministeriais e uma evidente falta de coordenação política.
Não se pretende com isto menorizar ou diminuir quem percorre os caminhos da política. Nos EUA e no Reino Unido, a maioria, se não mesmo a totalidade, dos membros do Governo são dirigentes e militantes do partido maioritário, e não é essa circunstância que dita a sua incapacidade ou competência. O Partido Socialista conta com quadros qualificados capazes de fazer bem o lugar. Impõe-se é que sejam desafiados pelo PM a integrar o Governo e impelidos a decidir, modernizar, concretizar e não somente a gerir incidências partidárias.
Na substituição em catadupa de membros do Governo, sobressaiu uma casta de “gestores e administradores” cujas aptidões e competências vivem na dependência da nomeação política e do reconhecimento intrapartidário. Percursos consolidados na órbita de empresas onde o Estado mantém posições de domínio ou participação maioritária, bafejados por condições e regalias verdadeiramente inexplicáveis e dos quais não se conhecem resultados relevantes para o interesse público.
“Experts” a cortar e a reduzir salários (dos outros), a estrangular fornecedores e a aumentar preços aos consumidores, quando a única competência que lhes é exigível é a de antecipar e evitar, a tempo, a degradação financeira das organizações, tornando desnecessária a adoção de medidas tão penalizadoras de “downsizing”.
*Jurista e gestor