Jerónimo de Sousa despediu-se formalmente do cargo de secretário-geral do PCP, este domingo, com um abraço ao seu sucessor, Paulo Raimundo, acompanhado por uma ovação, de pé, que durou quase dois minutos. O novo rosto principal dos comunistas agradeceu a Jerónimo pelo “empenho” e pelo “contributo”, dizendo que a transição não é um “adeus” e sim um “até já”. Mas as primeiras palavras de Raimundo não estavam previstas no discurso: “Que grande é o nosso partido!”, exclamou. Durante vários minutos, tudo o que se ouviu na sala foram palmas e gritos de “PCP”.
“Temos uma enorme responsabilidade mas estamos à altura”, afirmou Paulo Raimundo, falando no plural. Da mesma forma que, na véspera, Jerónimo tinha feito apenas uma leve referência à sua saída, também Raimundo preferiu relegar para segundo plano a sua eleição como secretário-geral. As suas prioridades são as que foram sendo enunciadas pelos oradores da Conferência: combater o PS e “ligar ainda mais o partido à vida e às massas”.
Nesse sentido, deixou um aviso: “Há quem salive e desespere pelo fim do PCP, mas aqui fica o conselho: esperem sentados! Um partido ligado aos trabalhadores, aos seus problemas e anseios, determinado em lhes dar esperança, a única coisa a que está condenado é a crescer e a alargar a sua influência”, considerou.
O novo rosto principal dos comunistas não poupou o Governo socialista, que acusou de fazer uma “brutal pressão, chantagem e ataque aos salários”. Referiu não ser aceitável que, enquanto o Executivo “debita palavras mágicas” – como défice ou contenção salarial -, haja mais de 2 milhões de portugueses na pobreza.
“Contas certas para quem? A banca, a EDP, a Galp, a Jerónimo Martins, a Sonae?”, questionou Raimundo. E não tem dúvidas: “Esta é a opção política do Governo PS – bem evidente no Orçamento do Estado -, e é, com mais ou menos berraria e aparente discordância, a opção de fundo de PSD, CDS, Chega e IL”.
Perante este cenário, ao PCP “não faltam razões para lutar”. Existem, concretamente, 3 mil milhões de razões: “uma por cada euro de lucro de 13 grandes grupos económicos nos primeiros nove meses deste ano”, destacou o dirigente comunista.
“Até já, camarada Jerónimo”
Paulo Raimundo dedicou algumas palavras a Jerónimo de Sousa, que tinha deixado formalmente de ser secretário-geral poucos minutos antes. “Obrigado pelo teu empenho, pelo teu contributo, pelo teu papel. A alteração das tuas responsabilidades não significa uma deus; é um até já, camarada Jerónimo”, afirmou o novo secretário-geral. Os quase mil delegados presentes levantaram-se das cadeiras e iniciaram novo longo aplauso.
Raimundo disse falar “em nome do Comité Central e, certamente, em nome de todo o partido”. Para justificar a homenagem lembrou que, embora o PCP seja “mais do que a soma de cada um”, é também “o resultado do empenho de cada um”.
Tal como vários oradores da Conferência Nacional – muitos deles pertencentes ao Comité Central – fizeram ao longo do fim-de-semana, também Paulo Raimundo abordou as “insuficiências” do partido, pedindo um PCP “ainda mais enraizado nas massas”. Também recorreu a uma expressão usada por Jerónimo na véspera para salientar a necessidade de “ligar ainda mais o partido à vida e às massas”.
Ucrânia: “Não se apaga fogo com gasolina”
O comunista debruçou-se ainda sobre o tema da guerra da Ucrânia, apelando à abertura de negociações entre ucranianos e russos. “Aqui, com a autoridade de quem sempre se opôs à guerra e alertou que o fogo não se apaga com gasolina, tomamos a iniciativa pela paz”, afirmou, motivando gritos de “Paz sim, guerra não”.
Salientando a importância de uma “solução política” para o conflito, acusou ainda os EUA, a NATO e a União Europeia de instigarem uma escalada bélica de resultados imprevisíveis”.
Paulo Raimundo tinha assumido formalmente o cargo de secretário-geral do PCP minutos antes de ter começado a discursar. O resultado da eleição da noite anterior foi comunicado aos delegados por José Capucho, do Comité Central.
“O Comité Central compreendeu e aceitou as razões apresentadas pelo camarada Jerónimo de Sousa para a sua substituição como secretário-geral, mantendo-se no Comité Central”, afirmou Capucho. Jerónimo foi aplaudido de pé pelo pavilhão do Alto do Moinho, em Corroios, durante quase dois minutos, com vários gritos de “PCP” pelo meio.
Logo depois, a confirmação do substituto: “O Comité Central elegeu como secretário-geral do partido, por unanimidade, o camarada Paulo Raimundo”, anunciou José Capucho. Os delegados voltaram a erguer-se, as palmas voltaram a soar o novo e o antigo secretário-geral selaram a transição com um abraço sentido.
A proposta de resolução da Conferência Nacional foi aprovada pelos delegados com uma abstenção. O JN apurou ter-se tratado de Rui Sá, deputado municipal no Porto.