A contribuição de cada um para o reforço dos laços afectivos, aqueles que blindam a confiança política aos piores tremores e humores, está longe ser um processo individual.
Neste período de gestação de nove meses, de Sara Abrantes Ribeiro a Pedro Nuno Santos, contam-se 10 saídas do Governo maioritário de António Costa, umas mais impactantes do que outras. Tudo se assemelha a um processo colectivo de despedimento. A montanha não pariu um rato, deu à luz uma gestão em sobressalto e aos solavancos, estranhamente emperrada em factos e notícias que embalariam o berço de uma oposição forte à Direita, se ela existisse. Perante a estranha ausência do contraponto, os portugueses perguntar-se-ão como, ainda este ano, entregaram uma maioria absoluta a António Costa pelo referencial de estabilidade e pelo receio da Direita que se perfilava, vendo agora a convulsão política em que o Governo mergulha e a extensão dos piores sentimentos demagógicos que resultam do potencial crescimento da extrema-direita.
As dúvidas existenciais dos arautos da instabilidade governativa “made in 2015” sobreviveram com dificuldade até 2019. A estabilidade dos quatro anos de “geringonça” surpreendeu todas aqueles que olhavam com desconfiança para BE e PCP como forças de fiabilidade e de manutenção da estabilidade política. A partir daí, ninguém acreditava que o Governo minoritário de António Costa chegasse ao fim da legislatura, algo impensável quando era o próprio primeiro-ministro, em arremessos de desejo e de projecção futura, a afastar entendimentos à Esquerda, criando todas as condições políticas para a maioria absoluta que lhe caiu nos braços no momento em que deixou de a pedir. Agora, nove meses depois, o referencial de estabilidade que todos davam como garantido, esvai-se incompreensivelmente numa sucessão dificilmente explicável de erros de palmatória, entre o casting e a percepção.
Os equilíbrios precisam de um alvo. Com mais uma remodelação governamental, a vertigem política começa a fazer um caminho paralelo à instabilidade. Internamente, o pedido de demissão de Pedro Nuno Santos é a forma mais digna de correr por fora e não abala nenhuma instituição senão o PS. A confiança de António Costa em Marcelo Rebelo de Sousa será testada ao minuto e, se Luís Montenegro tivesse conseguido galvanizar o partido e o país, seria testada ao segundo. O actual contexto coloca o Governo ao espelho, a Oposição à espera de um líder e um eleitorado a ansiar pela segurança que outrora viu numa minoria estável, identificada pelo indispensável equilíbrio de interesses e pela personificação do mal comum em Pedro Passos Coelho. Procuram-se inimigos.
*Músico e jurista
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)