Ilenia Pastorelli é a protagonista do filme “Óculos escuros” de Dario Argento, em exibição nas salas de cinema.
Atriz e modelo, Ilenia Pastorelli nasceu em Roma mas vive em Lisboa. Em Berlim, onde a entrevistámos, apressou-se a dizê-lo, quando soube que estava a falar com um português. “Vivo na Rua da Rosa, no Bairro Alto. Foi por amor, segui o meu namorado”. Grande descoberta do filme de Dario Argento, interpretando Diana, a protagonista, fala-nos do medo. “Senti o medo. Não para mim, mas para as outras personagens”, diz-nos. “Nos filmes do Dario, o medo é uma metáfora. A minha personagem tem de enfrentar a cegueira, com muito ânimo, com muita coragem”
Sobre o trabalho com Dario Argento, não podia estar mais agradecida. “O Dario é um realizador fantástico, e uma pessoa muito especial, muito doce. Quando está a trabalhar é uma pessoa perfeitamente normal”, confessa. “Fiquei muito contente, porque em Itália e no resto do mundo o Dario é um mestre. Quando li o argumento senti que ele tinha uma grande paixão em fazer este filme. E era muito importante para mim fazê-lo, pessoalmente e para o meu trabalho. Por ser uma mulher, também. Para uma atriz, em Itália, é muito raro ter uma personagem como esta. Fiquei muito feliz por ele ter pensado em mim.”
A atriz recorda o primeiro filme que viu de Argento. “Foi o Suspiria. Adorei o filme, porque para lá do horror, descobri um realizador que queria entrar dentro da psicologia do ser humano. É um dos meus filmes preferidos.”
Quanto à experiência da cegueira, recorda o que passou durante a rodagem. “O que tentei foi entrar nos sentimentos de uma mulher que vive na escuridão. De certa maneira houve uma certa beleza, porque tinha de tocas as paredes, as mesas e perceber como alguém que vive na escuridão sente o mundo à sua volta.”
Para interpretar a personagem, a atriz teve uma ajuda especial. “Estive em contacto com duas pessoas cegas, uma das quais também cegou na sequência de um acidente, como Diana, a minha personagem”, recorda. “Ajudou-me imenso, porque não era cega de nascença. Há uma grande diferença entre quem nasce cego e quem fica cego. Quem fica cego enfrente um grande trauma, porque conheceu as cores, o mar, as formas das coisas.”
Se o som e a música são tão importantes no cinema de Dario Argento, para a atriz, que não podia “ver” durante a maior parte da rodagem, adquiriu uma importância especial. “O som torna-se amplificado. Mas não só o som, todos os outros sentidos. A perceção do mundo à nossa volta é muito maior. Ao fim de dez minutos é uma sensação terrível, porque sentia-me perdida. É a mesma coisa que acontece a toda a gente quando a meio da noite vai à casa-de-banho sem acender a luz.”
Um dos aspetos mais importantes da rodagem foi a reconciliação com os cães. “Quando era pequena tive um trauma com um cão”, diz-nos. “Tentei fazer festas a um cão rafeiro que vi na rua e a experiência não foi muito boa. Devia ter apenas dois anos e o cão atacou-me. Mas o filme ajudou-me e reencontrar uma boa relação com os cães, que tinha perdido. Nerea, a cadela do filme, era maravilhosa.”
Terminando a nossa conversa como começou, com uma referência ao medo, a atriz faz um paralelismo com os tempos que vivemos. “Ultimamente, tive mais medo da vida que da morte. Mas temos menos medos agora porque aprendemos a viver com o medo. E o filme ajudou-me muito, mesmo a nível psicológico. Antes, tinha muito medo da escuridão, tive de ultrapassar esse medo também.”