O verão estava a meio, já com o caso Medina/Sérgio Figueiredo a estalar, quando numa longa entrevista o presidente da República usava uma imagem invulgar para descrever o primeiro-ministro. Marcelo comparou Costa a um “bom mata-borrão”, “muito rápido a sugar as coisas”.
A metáfora elogiava a capacidade de perceção e apropriação política por parte do primeiro-ministro, mas poderia igualmente aplicar-se à rapidez com que este fareja crises e chama a si os estilhaços projetados por sucessivos casos na equipa.
Mês após mês, António Costa não tem feito mais do que apanhar cacos. Soma onze demissões em nove meses, a que se juntam outras tantas polémicas com governantes ainda em funções mas fragilizados perante o eleitorado. Por muito ágil que seja, o “bom mata-borrão” está claramente saturado de tinta e sujeito a um efeito de contaminação que, no que diz respeito à perceção pública, atinge todo o Governo.
Num contexto de tamanho descrédito e falta de confiança no elenco governativo, Marcelo voltou a dar-lhe o guião. Dos “vícios originais” ao “processo de reajustamento muito acelerado”, deixou claramente traçado um caminho em que não basta uma troca de cadeiras, exigindo-se uma ampla mudança de “orgânica e pessoas”. Uma remodelação alargada e que restaure a capacidade de execução dos milhões que estão a chegar da Europa é a exigência mínima do chefe de Estado para evitar a bomba atómica, que alguns já vão ventilando e pedindo.
Nas contas de Marcelo, não pesa apenas o facto de o PS ter conquistado uma maioria absoluta. Pesa o risco de dissolução do Parlamento numa altura em que o PSD claramente não está preparado para ser alternativa, sendo constantemente ultrapassado à direita pela Iniciativa Liberal e pela ameaça chamada Chega. A escolha dos eleitores continua válida, mas exige que o Governo se mantenha à altura da confiança que lhe foi entregue nas urnas em janeiro.
A dificuldade de Costa, por mais que os seus ministros se desdobrem a assegurar condições e energia para governar, será conseguir atrair para a sua equipa personalidades de peso, que deem ao Executivo uma consistência que ainda não teve. E, simultaneamente, lidar com uma bancada do PS dividida, em que Pedro Nuno Santos nem precisará de abrir a boca para mover apoiantes e preparar terreno. O amparo das vozes de apoio foi, aliás, evidente e esclarecedor logo no momento da saída do ex-ministro, com obra e marca política suficientes para continuar a ter futuro.