Naquilo que um político diz ou escreve, devemos sondar-lhe o que é que dito, interdito e subentendido. Em suma, o que é que ele está a nomear, começando por nomear-se a si mesmo. Vem isto a propósito de uma “carta” que o “leitor” António Costa dirigiu à directora da revista “Visão” que o entrevistara umas semanas antes. Se não fosse o comentador da CNNP Rui Calafate, este precioso documento teria passado despercebido. Até da referida directora que acompanha normalmente Calafate nos comentários televisivos. A entrevista deu capa na qual Costa surgia sentado de lado, numa cadeira, com um sorriso trocista, e titulada “Habituem-se” (a aturar-me quatro anos e meio, subentende-se). Costa não gostou e recorreu ao “correio dos leitores”. Que o “habituem-se” foi retirado do contexto”. Que “não se tratou da expressão de qualquer arrogância da minha parte”. Que o título “esconde a entrevista”. Quanto à fotografia da capa, o “premier”, em ambiente a fazer lembrar “Twin Peaks” – aquela série do David Lynch destinada a desvendar “quem matou Laura Palmer” -, escreveu que a fotografia não captou a sua “linguagem gestual durante a entrevista”. Pelo contrário, continua, “trata-se de um cenário de produção montado pela revista e na pose que me foi pedida – “agora assim mais ao lado com a perna cruzada” (sic, palavra de honra), “de maneira nenhuma associada ao “habituem-se” que a acompanha”. Pesaroso, Costa lamenta-se: “há semanas que pago com o silêncio o penoso castigo de ter confiado na Visão”. E agora vem o melhor. Os que viram a capa, “a maioria”, segundo ele, “passaram a acreditar no perfil de arrogância que me foi criado e que não reconheço”. Confirmo que, pessoalmente (e há mais de trinta anos que o conheço), o António Costa não é nada disto. Todavia, o que estava em causa era o político. Que já foi parlamentar, secretário de Estado, ministro, edil e, finalmente, primeiro-ministro a caminho de oito anos de incumbência. E, em particular, este último ano o que é que tem revelado? Para lá das trapalhadas e das más reputações de alguns membros do Governo que escolheu, pouco mais que arrogância e falta de estofo, como o da cadeira da fotografia para a qual posou voluntariamente, “e até acompanhado da sua equipa de comunicação”, como se lê na resposta da revista. De humilde, Costa nada tem enquanto agente político-partidário. Basta recordarmo-nos da forma brutal como arredou Seguro da chefia do PS. Ou de como trata agora o Parlamento quando lá tem de ir. De acordo com Roland Barthes, “o texto é (deveria ser) essa pessoa desenvolta que mostra o traseiro ao Pai Político”. Não é ao contrário.
o autor escreve segundo a antiga ortografia
*Jurista