Espanhol Juan Dias Canales e argentino Eduardo Risso encontraram o tom certo para renovar a célebre personagem existencialista.
Criado por Hugo Pratt em 1967 e por ele animado até 1992, Corto Maltese é uma das mais emblemáticas personagens que a banda desenhada nos legou. Por isso, parecia impossível que sobrevivesse ao seu criador, tão forte era a sua marca, a ponto de refletir nele os seus ideais e vivências.
Apesar disso, ao fim de quatro álbuns, é obrigatório dizer que o espanhol Juan Dias Canales e o argentino Eduardo Risso conseguiram encontrar o tom certo.
Partindo do original de Pratt, progressivamente foram-se apropriando do protagonista e do universo desafiador em que marinheiro existencialista se move, podendo hoje afirmar-se que existe um outro Corto Maltese – não abdica de nada do passado, mas tem uma vivência própria para lá da óbvia retoma e da simples homenagem.
De forma equilibrada, Canales, com argumentos sólidos em que se multiplicam referências culturais e históricas e o piscar de olho à própria série, tem chamado personagens marcantes que Pratt imaginou, apresentando-as em situações específicas e naturais ou associadas a acontecimentos históricos, levando-as a cruzar de novo o caminho do viajante errante. Aliás, as páginas de guarda do álbum mostram claramente essa errância que, desta vez, o leva à Alemanha de 1924, em plena efervescência política e social, quando o partido nazi começava a ganhar expressão.
A história, sem pôr de lado o tom introspetivo e deixando uma larga abertura à interpretação dos leitores, assume um tom de quase policial negro, com Corto a tentar descobrir quem matou um dos seus amigos mais queridos. Entre intriga política, questões religiosas, fanatismos de vária ordem, ideologias opostas, organizações secretas e conspirações esotéricas, o marinheiro nascido em Malta avançará de cadáver em cadáver, correspondentes a assassinatos aparentemente sem solução, com o perigo a apresentar-se num crescendo e as respostas que tardam em aparecer.
Graficamente, Risso, que desde o primeiro álbum deu o seu cunho pessoal à representação de Corto, expõe mais uma vez as suas melhores qualidades, com as pranchas a assumirem algumas características do expressionismo alemão e as cenas noturnas ou em ambientes escuros a brilharem especialmente, devido ao seu magistral uso da cor.