A escassos dias do fim do corrente ano, é pertinente recordarmos dois acontecimentos de há seis décadas: a crise académica de 1962 e a nomeação de Veiga Simão como primeiro reitor da nova universidade em Moçambique. Ambos merecem destaque.
A educação foi instrumentalizada pelo Estado Novo enquanto ferramenta de condicionamento. A anestesia coletiva era facilitada por uma escolaridade obrigatória reduzida, que chegou a ser de apenas três anos. A formatação do pensamento era ajudada por programas e livros únicos, e aprofundada graças à instrução em separado de meninos e meninas. O ensino superior era para uma elite e o seu alargamento tido como um risco.
A crise académica de 1962 mostrou que a anestesia coletiva não era uma anestesia geral. Os estudantes universitários provaram estar bem despertos, unindo-se em torno da liberdade de associação e da autonomia universitária. O Dia Nacional do Estudante, a 24 de março, comemora um dos episódios desse ano.
Ao estabelecer o ensino superior em Moçambique, Veiga Simão não terá deixado de refletir sobre o seu papel transformador. A sua nomeação como ministro da Educação, em 1970, depois de nova crise académica em 1968, permitiu-lhe iniciar uma reforma educativa profunda e expandir a rede de ensino superior – de uma forma que nunca tínhamos visto nem voltámos a ver.
Apesar da oposição dos setores mais conservadores do Estado Novo, que achavam que democratizar o ensino seria o mesmo que “dar a qualquer cidadão o direito de ser doutor” e a “qualquer burro direito a ser cavalo”, Veiga Simão não desistiu da educação, que considerava “princípio sagrado”.
Publicou em 1973 a primeira Lei de Bases do Ensino, que instituía a escolaridade obrigatória de oito anos, e depois o diploma que criava quatro universidades – Aveiro, Évora, Minho e Nova de Lisboa – e ainda duas dezenas de outras instituições de ensino superior, por todo o país.
Seria a revolução de Abril a impulsionar o processo e a torná-lo realidade. Ainda assim, Marçal Grilo, ministro da Educação (1995-99), afirmou que a criação das novas universidades tinha sido o acontecimento mais relevante no contexto do ensino superior desde a criação das universidades em Lisboa e no Porto, em 1911.
Os acontecimentos de há 60 anos contribuíram para que Portugal pudesse ter hoje níveis de qualificação e instituições de ensino superior que são indiscutíveis vetores de progresso e transformação social, e por isso os recordo.
Vale a pena pensar nisso.
*Reitor da Universidade de Aveiro