Mesmo quando arranjam um emprego, pode ser difícil mantê-lo por falta de acesso aos transportes.
Miguel Ângelo tem 39 anos e há pouco tempo arranjou o seu emprego de sonho na FNAC. Este sábado, juntou-se à manifestação do Centro de Vida Independente do Vale do Ave, no Parque da Cidade, em Guimarães, porque a seu posto de trabalho está em risco pela dificuldade que tem em deslocar-se, principalmente aos fins de semana, por falta de transportes públicos. Como ele, estiveram presentes aproximadamente mais 20 pessoas, com diferentes incapacidades, mas com histórias de dificuldades muito semelhantes.
Miguel teve paralisia cerebral que o impede de andar, embora tenha alguma força nas pernas. “Ando de canadianas desde os sete anos”, conta. Fez o 12º ano e cursos de formação profissional, expressa-se com fluidez e é aquilo que se pode chamar uma pessoa comunicativa, mas nunca conseguiu ter um emprego por muito tempo, principalmente, nunca teve um que gostasse. A maior parte das pessoas presentes queixa-se da mesma coisa: os cursos e os estágios terminam e raramente dão lugar a uma oportunidade para ficar nas empresas.
A bater à porta dos 40 anos, Miguel já pensava que a oportunidade nunca chegaria. Todavia, há pouco tempo surgiu a hipótese de trabalhar na FNAC do Guimarães Shopping. “Nem queria acreditar”, diz com um sorriso. “A empresa foi fantástica, não só me deram uma oportunidade como fazem um esforço para me integrar, no que toca a casas de banho, por exemplo. Deram-me um tablet que torna o trabalho mais fácil do que os computadores que os meus colegas usam”, reconhece.
“Não há paninhos quentes, é para trabalhar”
É por isso que não quer, “de forma nenhuma falhar”, mas torna-se difícil quando não tem transporte para cumprir os horários de fim de semana. Miguel reside na freguesia de Leitões, onde as carreiras da Guimabus não chegam aos sábados e domingos. “Já faltei e tive que explicar a situação à minha chefe, mas não queria que voltasse a acontecer. A empresa é compreensiva, mas “não há paninhos quentes”, é para trabalhar. De táxi são 40 euros para cada lado, não ganho para a despesa. Agora consegui um acordo com um Uber”, afirma.
Mesmo assim, gasta 22 euros a descontar num salário magro. “Estou a poupar para reparar a minha cadeira de rodas elétrica. São 960 euros e a Segurança Social não paga o arranjo porque a cadeira não foi adquirida através deles, foi oferecida pela comunidade”, conta. Miguel tem esperança que os pedidos que fez na Junta de Freguesia, Câmara Municipal e Guimabus, venham a dar resultado e que os horários sejam revistos.
“Além disso, também pedi para que estendam o percurso da carreira mais um quilómetro. Essa é a distância que tenho de percorrer, a subir, às vezes à chuva, outras vezes ao calor, para chegar da paragem de autocarro à minha casa”, afirma. Alguns motoristas são mais simpáticos ou têm mais coragem para subverter as regras e, “quando está a chover, levam-me até lá cima, mas isso nem sempre acontece.”
“Adoro o trabalho na FNAC, não só pelo dinheiro que ganho e que me garante a independência, mas também porque conheço pessoas, estou no meio dos livros e das tecnologias, faço o meu trabalho e convivo com colegas que fazem outras coisas, aprendo, participo, sinto-me vivo. Não queria perder este emprego”, diz como quem lança um apelo.
Pôr os casos em evidência
Marco Ribeiro, o presidente do núcleo do Vale do Ave do Centro de Vida Independente assegura que foi para colocar em evidência casos como o do Miguel que a associação se formou. Marco tem 32 anos, teve paralisia cerebral e, além das limitações motoras que o obrigam a deslocar-se numa cadeira de rodas, chegou a sofrer de gaguez. Com esforço pessoal e ajuda de terapeutas, melhorou e hoje é consultor de suporte técnico na Primavera, uma profissão em que é obrigado a comunicar permanentemente.
Quando tinha 12 anos, Marco deu “um murro na mesa” da escola onde andava. “Todos os anos havia um dia de atividades desportivas e a mim davam-me um sumo e um bolo e punham-me a bater palmas. Naquele ano, disse-lhes que se não participasse nunca mais ia à escola”, recorda. Junto com o protesto também apresentou a solução: “Disse-lhes que podia fazer uma corrida em cadeiras de rodas contra a Cristiana”, conta, apontado para a colega de direção e companheira desde os tempos do infantário. A corrida fez-se e a cultura daquela escola mudou, a partir desse momento.
“Nada sobre nós, sem nós”, é o lema que querem ver cumprido. Marco Ribeiro assume que esta é a primeira iniciativa “de uma associação que nasceu a 4 de abril” e ainda não teve tempo para se consolidar. “Algumas das pessoas que aqui estão acabaram de nos conhecer”, reconhece. O documento que vai guiar o trabalho da associação é o Manifesto subscrito por outras 12 instituições de apoio a pessoas com deficiência e que defende coisas como: direito à vida independente; assistência pessoal para quem necessitar de forma gratuita e definitiva; cumprimento das quotas de acesso ao emprego; acessibilidade nos transportes públicos; tornar o ensino e a formação profissional verdadeiramente inclusivos e legislar sobre o acesso à universidade… Ao todo são 16 pontos para os quais Marco Ribeiro pretende chamar a atenção dos responsáveis políticos dos municípios do Vale do Ave.
Além da concentração em Guimarães, este sábado, a Associação Centro de Vida Independente promoveu marchas em Lisboa, Porto e Vila Real, aproveitando a proximidade do “Dia Europeu da Vida Independente”, que se assinalou na sexta-feira. Em todas estas iniciativas foi lido o Manifesto com os 16 pontos que estas associações querem ver resolvidos.