“Achamos que as análises e os comentários são bastante superficiais”, com um “tom de comoção” e um “reconhecimento de que a violência é absolutamente inaceitável”, mas ficam apenas na “condenação moral, que é importante com certeza, mas que não é suficiente”, afirmou à Lusa Joana Cabral, que criticou algumas declarações políticas “bastante problemáticas” porque continuam a “acentuar a narrativa do aumento da insegurança e da criminalidade associada à presença de imigrantes”.

Para Joana Cabral, “o problema não está efetivamente a ser reconhecido com a gravidade que tem e com a devida complexidade”.

A SOS Racismo promete dar apoio às vítimas e colocar-se como assistente no processo movido contra o grupo de suspeitos de agressões contra imigrantes.

Assiste-se a “um crescente aumento do ódio racial nas redes sociais e que é obviamente contaminado, legitimado, naturalizado e incentivado pelos pelo discurso de figuras políticas” e não há “um discurso suficientemente forte” dos quadrantes do governo que contrarie essa tendência, afirmou a dirigente da SOS Racismo.

“Fica a ideia de que não há soluções, porque ao não haver o reconhecimento do problema na sua complexidade, também não pode haver soluções naturalmente”, acrescentou.

A dirigente deu o exemplo da pouca atenção dada ao racismo no programa do governo, em que o assunto é mencionado “quase de passagem”, em comparação com outros problemas sociais de relevo, como a violência contra mulheres ou as pessoas com deficiência, que “são necessidades urgentes, como é natural”.

“No caso do racismo, não há uma única proposta concreta” por parte do governo PSD/CDS, acusou a dirigente, recordando que esta ausência de posições dos dirigentes do país conduz a um “vazio” onde “andam impunes as agressões”, recordando o homicídio de Alcindo Monteiro, na década de 1990, ou a “ficção que foi o arrastão [assalto em massa na praia de Carcavelos]”, num tempo em que havia “um clima político e cultural com narrativas de criminalização de pessoas não brancas e racializadas”.

Hoje, “assiste-se a algum regresso desse ambiente”, com uma “conjuntura em que imaginários eurocêntricos e coloniais estão estacionados nas nossas representações sociais e não são devidamente acautelados porque não se enfrenta a realidade do racismo estrutural e institucional”, considerou.

Joana Cabral critica também os poderes políticos e os media por não abordarem aquilo que a SOS Racismo considera ser o centro do problema, a especulação imobiliária e a precariedade laboral, considerando que essas duas questões permitem uma “narrativa” em que os imigrantes roubam trabalho aos portugueses e provocam aumentos dos preços das casas.

Neste contexto, “vamos ter um aumento da conflitualidade social entre grupos, em que a frustração legítima das pessoas portuguesas, brancas e pobres ou trabalhadoras com dificuldades vai aumentar este sentido de ameaça em relação às outras pessoas que são entendidas como o outro, para as quais a narrativa é sempre a da criminalidade” e que “são elas que vêm tirar os empregos, são elas que vêm tirar o acesso às casas”.

Segundo a dirigente da SOS Racismo, o poder político deve levar este assunto a sério “e não cair na tentação de tirar partido daquilo que são representações preexistentes” de parte da sociedade, procurando “cavalgar uma explicação simplista”, que faz “como bode expiatório as pessoas imigrantes”

No caso do Porto, a reação do presidente da autarquia também merece críticas por parte da SOS Racismo.

“Acho que a resposta do Dr. [Rui] Moreira é bastante equívoca, porque, por um lado, felizmente e bem, é muito perentório e muito assertivo na forma como condena e considera absolutamente injustificável os atos”, mas também faz um “apelo à extinção da AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo] a pretexto de uma dificuldade em assegurar a segurança” de quem entra no país.

A AIMA “está absolutamente inoperante”, concordou Joana Cabral, mas considerou que este discurso acaba por relacionar diretamente os imigrantes com a insegurança, em vez da integração, que é o grande objetivo da agência.

Na madrugada de sexta-feira, ocorreram três ataques e agressões a imigrantes na zona do Campo 24 de Agosto, na rua do Bonfim e na rua Fernandes Tomás, no Porto.

Segundo a PSP, os ataques foram feitos por vários grupos, tendo cinco imigrantes sido encaminhados para o hospital devido aos ferimentos.

Na sequência das agressões, seis homens foram identificados e um foi detido pela posse ilegal de arma.

Face à suspeita de existência de crime de ódio, o caso passou a ser investigado pela Polícia Judiciaria.

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