O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, defendeu, esta terça-feira, que “todas as vozes devem ser ouvidas” e que era esse o “objetivo” da reunião “histórica” com diversas associações de comunidades da zona de Lisboa, convocada na sequência dos incidentes desencadeados em vários bairros após a morte de Odair Moniz, baleado por um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP), no dia 21, em circunstâncias ainda por esclarecer.

 

Em declarações aos jornalistas, depois do encontro, o governante começou por descrever esta como uma reunião “muito rara”. “Histórica diria”, afirmou, referindo que foi “a primeira vez” que as referidas associações estiveram com o Governo a “discutir problemáticas da vida concreta destas comunidades” lisboetas. 

Segundo Leitão Amaro, o “objetivo” era “ouvir” e “dar voz”. 

“Todas a vozes devem ser ouvidas, devem ter um lugar e as autoridade governamentais devem ouvir todos nesse exercício, que seja livre e pacifico. E este foi”, frisou, falando num “exercício de escuta”. 

“Mas também procurámos sinalizar esta preocupação do Governo de trabalhar no mais importante, que é melhorar a vida concreta das pessoas”, acrescentou.

De acordo com o ministro, foram assinaladas áreas prioritárias, tendo sido prometidos apoios na habitação, saúde e educação, mas não foi esquecida a relação com as forças de segurança. 

“Nós concordamos que as áreas de maior necessidade de melhoria da vida concreta das pessoas são o acesso à habitação, o acesso à educação, o acesso à saúde, medidas que estamos a aplicar a pensar no país inteiro, mas que vão ter mais impacto nas áreas onde há mais carência”, como é o caso da Grande Lisboa, afirmou Leitão Amaro. 

“Obviamente, também a relação com as forças de segurança”, ressalvou.

“Temos uma posição, volto a reiterar, de profundo reconhecimento pelo trabalho das forças de segurança de Portugal, uma convicção que, por princípio, atuam dentro das regras e na ordem”, disse, admitindo que “não há nenhum agente da autoridade que não esteja sujeito a escrutínio e a justiça”.

No caso concreto de Odair Moniz, o ministro da Presidência considerou que “foi feito o que um Governo deve fazer, que é ordenar a abertura de uma avaliação, um inquérito disciplinar na IGAI (Inspeção Geral da Administração Interna)”. “Além de que as autoridades de investigação criminal estão a fazer o seu trabalho”, sublinhou.

“Estamos muito comprometidos em garantir a ordem, a tranquilidade e a paz social, com forças de segurança  que atuam com a comunidade integral, com todos os seus cidadãos”, notou, falando em “policiamento de proximidade” e recordando que o Ministério da Administração Interna já tinha iniciado um projeto de formação pedagógica para as polícias.

Leitão Amaro anunciou ainda que o Governo vai ouvir propostas de combate ao racismo e à exclusão social.

“Nós pedimos às associações, ficou do lado delas agora partilharem connosco” as propostas de revisão do plano de combate ao racismo, explicou Leitão Amaro, recordando que “muitas delas envolveram-se na conceção do programa, mas concordamos que é necessário dar prioridade”.

Os “antigos planos de combate ao racismo e à discriminação ficaram largamente sem execução”, com apenas 15% das medidas executadas e “dois terços por iniciar”, afirmou o governante.

Para Leitão Amaro, “o diálogo é muito importante e é para continuar”, porque o objetivo final é “melhorar a qualidade de vida concreta das pessoas”, recordando outras medidas do Governo, que terão impacto nessas comunidades.

“Aprovámos 2,8 mil milhões de euros de habitação pública dirigida à classe média, mas também às famílias mais vulneráveis”, exemplificou.

Sem comentar as críticas feitas por outros partidos ao caso, o governante assumiu que o executivo PSD/CDS quer procurar consensos e evitar discursos radicais.

“Nós acreditamos profundamente na essencialidade humana” e “temos procurado em tudo em todas as áreas moderação e equilíbrio”, porque a “primeira forma e mais importante de um governo não cultivar uma cultura de ódio é não ser um autor da cultura de ódio, do discurso de ódio, do discurso ou da exclusão”, disse.

No final da reunião, as associações mostraram-se insatisfeitas com os compromissos concretos do governo, mas, para Leitão Amaro, o mais importante é que esteja “aberto, contínuo e melhorado o diálogo”, pelo que serão agendadas futuras reuniões e “não apenas com os que estiveram hoje”.

Recorde-se que o Governo enviou a convocatória para uma reunião às comunidades da zona de Lisboa, mas não referia o assunto, nem indicava os participantes, segundo um e-mail mostrado à Lusa por uma das representantes das associações.

O email do Governo, enviado às 17h50 de sexta-feira (o que também motivou críticas em relação à pouca antecedência), não tinha “caderno de encargos” para a reunião, convocada para hoje, às 14h30, confirmou à Lusa outro representante. 

Foi só através do comunicado que o Governo publicou na sexta-feira, duas horas depois de enviar o email, que as associações souberam que na reunião, já iniciada, estariam também as ministras da Administração Interna e da Juventude e Modernização e dirigentes das polícias (GNR e PSP), do Instituto Português do Desporto e da Juventude e da Agência para a Integração, Migrações e Asilo.

Na lista de convites para a reunião de hoje inicialmente divulgada pelo Governo, com o intuito de “dialogar” com as comunidades da AML, não estavam coletivos como o movimento Vida Justa, que só foi incluído depois de pedir explicações. Também o Grupo de Ação Conjunta contra o Racismo e Xenofobia expressou “veemente repúdio pela exclusão do Coletivo Consciência Negra e FAR — Frente Anti-Racista”.

Na lista inicialmente divulgada pelo Governo foram convocadas as associações Moinho da Juventude, Mundo Nôbu, Afrolink, Movimento Nu Sta Djuntu — Estamos Juntos, Associação Caboverdeana, Associação Cultural e Juvenil Batoto Yetu, Academia do Johnson, Associação Helpo, Semear o Futuro, Djass – Associação de Afrodescendentes, Femafro — Associação de mulheres negras, africanas e afrodescendentes em Portugal, SOS Racismo, Plataforma Gueto, Associação para a Mudança e Representação Transcultural, Associação Filhos e Amigos de Farim, Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos e Associação Kamba.

A iniciativa do Governo surge na sequência dos acontecimentos que se seguiram à morte de Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano de 43 anos, morador no bairro do Zambujal, na Amadora, que há uma semana foi baleado por um agente da PSP, no bairro da Cova da Moura, no mesmo concelho, o que desencadeou tumultos em vários bairros da AML, onde foram queimados e vandalizados autocarros, automóveis e caixotes do lixo. Há cerca de duas dezenas de detidos, outros tantos suspeitos identificados, e sete pessoas feridas, uma das quais com gravidade.

[Notícia atualizada às 20h04]

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