Essa será uma das perspetivas abordadas pela socióloga especialista em “slow living” – expressão que pode traduzir-se por “viver lentamente” – no worskhop sobre redução de consumos supérfluos que dirigirá esta tarde no encontro mundial “Planetiers”, que desde sexta-feira está a decorrer no Centro de Congressos de Aveiro.

 

“A sociedade portuguesa tem a necessidade de ‘mostrar’ e precisa de um carro bom mesmo que a sua casa não esteja a nível idêntico. É por isso que costumo dizer que os portugueses compram coisas de que não precisam, com dinheiro que não têm, para impressionar pessoas de quem não gostam”, explica.

Essa postura é ainda mais evidente quando comparada à dos países nórdicos, onde a população “ganha muito mais, mas as habitações têm menos tralha, os carros são mais modestos e se compra muito menos roupa”.

Ana Milhazes admite, contudo que o apego aos bens materiais por parte dos portugueses nascidos até meados do século XX pode ser particularmente motivado pela memória da pobreza a que estiveram sujeitos nas suas primeiras décadas de vida — o que justifica também a resistência a práticas como a da reutilização de vestuário, que reabre a ferida da carência ao lembrar o tempo em que a mesma peça de roupa passava de irmão a irmão, de primo a primo e até de patrões a empregados até estar totalmente inutilizada.

Já o consumo excessivo por parte das gerações mais jovens resultará, segundo a especialista, do excesso de exposição a conteúdos viabilizados pelo avanço da tecnologia, já que “publicidade e redes sociais criam a constante sensação de que tudo é necessário, de que não se pode perder nada”, de que se é menos se não se tiver mais.

Ana Milhazes reconhece que, ela própria, já teve essa fase: até 2011 era “completamente viciada” em roupa e sapatos, vivia num T2+1 que demorava todo um fim de semana a limpar, comprava soluções de arrumação para coisas a que nunca dava uso. Só quando se pôs a analisar a sensação de que 24 horas não lhe chegavam para tudo e de que a sua vida era apenas “casa-trabalho, trabalho-casa” é que decidiu implementar pequenas mudanças: deu tudo o que não usava, destralhou os móveis, trocou a compra de peças novas por aquisições em segunda mão, começou a frequentar lojas com mais opções a granel, passou a enviar o lixo biológico para compostagem e ainda criou listas de estabelecimentos adeptos dessas práticas e de truques de ‘slow living’ para partilhar com terceiros.

Agora que a sua casa se limpa numa hora, a embaixadora do Pacto Climático Europeu identifica ainda outra vantagem ao estilo de vida mais saudável e sustentável em que se tornou uma referência: “Quando se passa a escolher apenas o essencial, também se começa a dizer mais vezes ‘não’ e a fazer menos fretes. Ficamos com tempo para reparar no que de facto nos faz bem e a prioridade passa a ser fazer aquilo de que realmente gostamos, com as pessoas que verdadeiramente importam”.

É por isso que Ana Milhazes realça que “viver mais devagar não é privação, ascetismo ou sofrimento”. Garante: “É apenas escolher melhor o que temos — e até podem ser coisas materiais, consoante o gosto de cada um — para nos sobrar mais tempo para estar com as pessoas de que gostamos e a fazer o que nos dá gosto”.

Que uma mudança desta dimensão gere reações críticas e enfrente preconceitos é de esperar. Mas o foco tem que ser sempre no facto de que esta “é uma opção pessoal, individual, sem tentativas de evangelizar ninguém ou forçar algo que só vai criar resistência e afastamento”. Quando os outros repararem no efeito positivo da mudança operada em determinada pessoa é que “então pode haver abertura” para ela explicar como o conseguiu e em que medida isso melhorou a sua vida.

“Estamos num tempo em que ainda podemos fazer escolhas confortáveis”, diz Ana Milhazes. “Não temos uma arma apontada à cabeça, com alguém a dizer-nos que vamos perder tudo, de repente, sem poder de escolha, portanto podemos começar devagar, uma pequena mudança de cada vez… E depois de se entrar nesse círculo virtuoso, então já não se volta atrás”, promete.

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