O Tribunal de Braga adiou, esta sexta-feira, o julgamento de dez arguidos, ligados ao setor da pirotecnia, que estão acusados do crime de tráfico de armas por venderem artefactos pirotécnicos sem licença.
O adiamento ficou a dever-se à greve dos oficiais de justiça, mas, apesar disso, e como estava marcado o dia 22 de março para nova audiência de julgamento, o Tribunal emitiu um despacho, postergando-o para setembro. O despacho invoca a especial complexidade do processo, bem como o grande número de arguidos e de testemunhas.
Conforme o JN noticiou em 2021, o Ministério Público acusou dez homens do setor, residentes na região norte, que produziam artefactos pirotécnicos, entre as quais petardos, fumos e tochas, que vendiam a vários clientes, entre eles, membros de claques de clubes de futebol e comissões de festas e romarias.
Suspeitas arquivadas
No final da investigação do mesmo dossiê, o MP arquivou 20 inquéritos, por falta de provas, vários deles relacionados com vendas a claques. “Não resultam indícios de que as ‘bombas’ rebentadas em vários estádios de futebol foram vendidas pelos arguidos”, diz, ainda que pondo a hipótese de reabertura deses inquéritos se surgirem novos elementos de prova.
O MP arquivou, por exemplo, um incidente ocorrido em janeiro de 2017 nas imediações do Estádio Municipal de Braga, após um jogo entre o Sporting local e o Vitória de Guimarães, quando um autocarro transportando “seguranças” da empresa 2045 foi atingido por um tiro. A PJ não encontrou os autores.
Da acusação, extrai-se que, numa das escutas telefónicas, conclui-se que, em dezembro de 2016, o arguido José Barbosa ligou para o António Ribeiro e encomendou duas a três caixas de petardos e de fumos para depois vender a uma claque: “Eles querem fumo, pá, claque, percebes? E querem verde, daquilo tipo ‘very light'”, solicitava o primeiro. Dias depois, telefonou a pedir mais “petardinhos pequeninos, rebuçadinhos” para o mesmo fim.
António Ribeiro, de Barcelos, Rui Araújo, de Paços de Ferreira, Raul Marques, de Famalicão, José Manuel Mendes, de Amarante, António Luís Castro, de Lamego, Paulo Agostinho da Costa, de Felgueiras, José Teixeira da Cunha, de Amarante, José Miguel Barbosa, de Barcelos, António Miguel Carvalho, da Lixa, e José Vieira de Castro, de Fafe, foram acusados dos crimes de tráfico e mediação de armas, posse de arma proíbida (mechas, rastilhos e petardos).
A acusação salienta que os arguidos não estavam legalmente autorizados a fabricar, importar, armazenar e distribuir artigos de pirotecnia bem como explosivos e outras matérias perigosas.
O grupo, constituído por empresários ou ex-empresários e lançadores autorizados de fogo do ramo – foi desmantelado em 2017 pela PJ/Braga, na operação «Petardo», na qual foram detidas oito pessoas e apreendidos centenas de artefactos, com destaque para as balonas – o nome dado a uma espécie de morteiro ou “bazooka” usado para lançar o fogo-de-artifício e que substituiu o tradicional e perigoso foguete de cana. Foi, ainda, apanhado, muito material explosivo, pólvora e outros produtos químicos.
Numa outra escuta, ouvia-se: “Você vende rastilho? Se for chinês, tenho muita merda aí…!”
A acusação tem 14 testemunhas, 13 das quais da PJ/Braga, centenas de escutas telefónicas, autos de busca e declarações dos arguidos.
Licenças caducadas
O magistrado enumera as buscas policiais, começando com a feita, em 2016, na Pirotecnia Barquense, em Oleiros, Ponte da Barca, que tinha as licenças caducadas.
Num armazém na Póvoa de Lanhoso, junto da antiga «Pirotecnia de Simães», havia 34 caixas com balonas, petardos, fio elétrico, cordão, foguetes de cana, tubos de alumínio e baterias de disparos.
Já António Ribeiro – assinala o MP – lançava ele mesmo o fogo em festas populares nomeadamente na Páscoa, os artefactos que guardava em casa e em contentores que tinha em São Miguel da Carreira, Barcelos, e num terreno em Famalicão.
Numa das buscas foram apreendidos 80 quilos de pólvora negra, 250 metros de rastilho, oito quilos de cores em caixa e dois quilos de cores em pedra (ambos usados no fabrico de balonas). Noutra foi apanhada pólvora, nitrato de potássio, dextrina, enxofre, perclorato, carvão, bem como rastilhos.
Fabricavam, de forma artesanal, a pirotecnia e foguetes em anexos de casa, “sem qualquer controlo técnico de qualidade”.
O amadorismo reinava em alguns dos envolvidos: “Isto é preciso tirar o cordão?, perguntava ao telefone, um “lançador de fogo”. “Não, é só chegar lume, ele faz tudo por ele!”, respondia o “vendedor”.