A defesa de dois arguidos no processo principal da queda do BES/GES, ocorrida em 2014, sustentou esta sexta-feira, no quarto dia do debate instrutório do caso, que não compete à Justiça apreciar se determinadas práticas que existiam na instituição eram ou não corretas, mas sim se constituíram ou não crime.
“Perder dinheiro num determinado negócio não é cometer um crime”, afirmou Rogério Alves, alegando que sob suspeita estão atos “correntes” da gestão do banco que só poderão ser entendidos como crime se forem enquadrados, como o Ministério Público faz, no contexto da atuação de uma associação criminosa, criada para o efeito. O advogado representa António Soares, ex-membro do Conselho de Administração da seguradora BES Vida e acusado de 17 crimes, incluindo associação criminosa e corrupção passiva no setor privado.
O mandatário acrescentou que não competia ao seu cliente “pôr em causa o que é feito por colegas ou ordenado por superiores”. Até porque, frisou, o negócio em causa – relacionado com um esquema fraudulento de emissão e venda de instrumentos financeiros por parte de outra entidade do GES – “tinha a sua lógica”.
“Prémios” e não “luvas”
Rogério Alves desvalorizou ainda os pagamentos extra-salário recebidos por António Soares e outros 11 ex-elementos do BES/GES, que o Ministério Público entendem ter sido “luvas” pagas pelo ex-banqueiro Ricardo Salgado aos seus próprios funcionários a partir da Espírito Santo Enterprises, conhecida como o “saco azul” do GES. Os arguidos contrapõem que foram apenas “prémios” laborais.
“Era um grupo relativamente misturado, o patrão decidiu gratificar alguns empregados a partir do recursos a outras atividades. É um crime? O que é que se procura dissimular? Havia pessoas que recebiam em dinheiro, outras que recebiam em contas em Portugal, outras mais, outras menos”, salientou o causídico.
A advogada de Cláudia Faria – ex-diretora-adjunta do Departamento Financeiro de Mercados e Estudo do BES e acusada de seis crimes, incluindo associação criminosa e corrupção passiva no setor privado – insistiu igualmente que as transferências foram uma “manifestação do reconhecimento” do “bom desempenho das suas funções” pelos profissionais.
“Não nos cabe a nós dizer se achamos bem ou mal ou se estavam a violar deveres laborais. O que está em discussão é se devemos dar por preenchidos os elementos […] do crime [de corrupção passiva para o setor privado]”, realçou Clotilde Almeida, considerando que não estão.
“Prática generalizada”
“A receção de prémios era uma prática generalizada na banca”, corroborou o advogado de Isabel Almeida, ex-assessora do Conselho de Administração do BES e acusada de 21 crimes, desafiando uma empresa que, à época, não tivesse “um saco azul” para pagar prémios a ser a “primeira a atirar uma pedra”.
“Era uma obrigatoriedade, e naturalmente o BES não fugia à razão: tinha um recetáculo que servia para fazer este tipo de pagamentos”, justificou Miguel Dias Neves.
Os advogados criticaram ainda o facto de o Ministério Público não ter acusado todos os elementos do BES/GES que receberam os “prémios”. Na terça-feira, primeiro dia do debate instrutório, a procuradora Olga Barata tinha explicado que “os pagamentos não serviram acriticamente para imputação de responsabilidade criminal”, uma vez que “não surgiram de forma isolada” na investigação.
“Tais prémios nada tinham de normal e eram pagos para compra de personalidades, de lealdades de outras natureza, e para pagamento efetivo de violação dos deveres profissionais”, insistira então a magistrada.
Vinte e cinco arguidos
O processo conta atualmente com 25 arguidos, entre os quais Ricardo Salgado, de 78 anos, acusado de 65 crimes. O Ministério Público alega que a maioria dos acusados terá transformado o BES/GES, em seu benefício pessoal, num castelo de cartas sustentado por operações fraudulentas e subornos, causando prejuízos de 11,8 mil milhões de euros à instituição. Os atos remontam pelo menos a 2009 e são negados pelos arguidos.
O debate instrutório prossegue. estando agendadas sessões até 12 de maio de 2023. Só depois o juiz Pedro Correia, do Tribunal Central de Instrução Criminal, comunicará, numa data a agendar, a decisão de mandar, ou não, os arguidos em julgamento e em que termos. O processo nasceu no verão de 2014 e a acusação foi proferida seis anos mais tarde.