Ex-diretora da Alfândega do aeroporto tentou pôr fim à prática em 2010. Mas apostou na pessoa errada.
A ex-diretora da Alfândega do aeroporto de Lisboa, Miquelina Bebiano, reconheceu esta quinta-feira, em tribunal, que, quando em 2010 assumiu a liderança do departamento, ouviu “uns zum-zuns” de que era prática de funcionários ali colocados apropriarem-se de objetos dos “perdidos e achados”, tendo, na altura, tentado mostrar que “as regras tinham mudado”.
Para tal, chamou outra pessoa para coordenar o setor de controlo de bagagens. Tratou-se de Ana Paula Silva, agora aposentada e um dos 16 funcionários da Autoridade Tributária (AT) em julgamento em Lisboa por, entre abril de 2018 e junho de 2020, se terem, segundo o Ministério Público e após o prazo de reclamação, apoderado de bens esquecidos na gare e em aviões da TAP.
“Eu confiava nela. […] Conhecia as qualidade dela do trabalho na Alfândega Marítima [de Lisboa]”, testemunhou Miquelina Bebiano. A dirigente, que não foi acusada de qualquer crime, precisou que, de 2010 a 2020, Ana Paula Silva – que confessou parcialmente os atos – foi “determinante” na elaboração do manual de procedimentos na Alfândega do aeroporto de Lisboa.
“Foi muito mau tudo o que aconteceu. E, se houve alguém que se sentiu mal, fui eu, no sentido em que confiava nas pessoas. Sempre tive a consciência tranquila”, desabafou, insistindo que nunca se apercebeu de qualquer irregularidade por parte dos arguidos. Apesar disso, durante a década que dirigiu a Alfândega, colocou em áreas sem contacto com bagagens outras “quatro ou cinco pessoas que ficavam com malas”.
Falhas no registo
Miquelina Bebiano confirmou, ainda, que, em junho de 2020, persistiam lacunas no registo dos “perdidos e achados”, manual e sem abranger todos os objetos.
Um fiscal da Alfândega do aeroporto que não foi igualmente acusado, Mário Silva, testemunhou, em seguida, que não se lembra de ter recebido o manual de procedimentos. Mas defendeu que “não é aceitável” que funcionários da AT desviem bens com “destinos aduaneiros”.
Dos 16 funcionários acusados de peculato, apenas dois não permanecem em funções, por se terem entretanto aposentado. A maioria está atualmente colocada noutros departamentos da AT. Outras sete pessoas respondem por recetação por terem ficado com os “presentes” subtraídos dos “perdidos e achados” da Alfândega do aeroporto de Lisboa. O Ministério Público acredita que estariam a par da proveniência dos objetos.
No total, foram apreendidos aos 23 arguidos, em junho de 2020, tablets, telemóveis, bebidas alcoólicas e outros bens avaliados globalmente em cerca de 65 mil euros.
O julgamento continua na próxima semana.