O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu, este domingo, que um dos seus poderes é o de “magistério de influência”, admitindo que tem exercido “pressão” na negociação do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025).
“O Presidente da República, quando é eleito, um dos poderes que tem é o do magistério de influência – que é sempre que entender que há um tema muito importante para o país, exercer a sua influencia ou, se quiser, a sua pressão para que as coisas corram de uma maneira e não de outra“, afirmou o chefe de Estado, em declarações aos jornalistas em Cantanhede, distrito de Coimbra, à margem da inauguração do Museu da Arte e do Colecionismo.
“Todos os meus antecessores fizeram isso – e fizeram muto bem. Neste caso concreto, entendo que há razões internacionais muito diferentes do últimos 30, 40 anos“, defendeu.
Marcelo lembrou que há a guerra na Ucrânia e o conflito no Médio Oriente, um “problema” de “ausência de peso efetivo de grandes potências”, como o caso dos Estados Unidos, “uma viragem de ciclo na União Europeia”, com os novos dirigentes a entrarem em funções “só no fim do ano”, bem como “o agravamento da situação em economias que achávamos quer eram muito fortes”, como a Alemanha, “para onde exportamos muito”.
“Tudo isso explica porque é que dou uma importância maior ao Orçamento este ano, do que sempre dei ao longo da minha vida“, justificou.
O Presidente recuou depois ao tempo em que era líder da oposição. “A minha vida foi feita, quando era líder da oposição, a viabilizar orçamentos do governo do engenheiro Guterres, por entender que era fundamental atendendo à situação que vivíamos, que era chegar ao Euro”.
“Depois, como Presidente foi sempre a preocupação de garantir que os Orçamentos passavam, quer no momento em que houve uma maioria parlamentar que apoiava um governo minoritário, quer no momento em que já não havia compromissos escritos e era muito importante que os Orçamentos passassem. Uma vez passaram, outra vez não passaram”, lembrou.
Assim, admitiu: “O que tenho feito é, de facto, influência, não nego. Quando dizem ‘mas ele está a fazer influência? Estou a fazer influência. Está a fazer pressão? Estou a fazer pressão’“.
Desta forma, Marcelo reiterou que o próximo OE2025 é uma questão de interesse nacional e contrariou o líder do PS, Pedro Nuno Santos, que hoje afirmou, a propósito da negociação do Orçamento, preferir perder eleições a abdicar das suas convicções.
“A questão, como imaginam, é do interesse nacional. Ou se considera que há um interesse nacional que explica que o Orçamento passe ou se acha o contrário. Abdicando de convicções, claro, eu abdiquei de convicções, como líder da oposição, em muitos pontos, para acertar com o engenheiro Guterres um acordo“, reforçou
O mesmo se aplica, acrescentou, do lado do Governo: “O Governo tem de perceber que o facto de ter um programa que passou no Parlamento, não quer dizer que o aplique todo, agora, de imediato. E se tiver que fazer cedências no programa, para tornar possível um acordo, deve fazer cedências no programa“.
Questionado sobre se essas cedências devem ser feitas ainda que isso signifique o desrespeito pelos resultados eleitorais, Marcelo Rebelo de Sousa ripostou: “Os resultados eleitorais foram ninguém ter maioria, o Governo não tem maioria. Portanto, tem de tomar em consideração esse facto. E, por outro lado, quem está na liderança da oposição, também não tem maioria”, avisou.
“Para mim, um Orçamento é sempre importante. Mas neste ano, neste momento em particular, é mais importante”, vincou o Presidente. Se assim não fosse, notou, “vamos a tira-teimas e cada um fica nas suas convicções”, sem haver um “esforço de parte a parte” para o OE ser aprovado.
Marcelo Rebelo de Sousa considerou ainda que se os dois grandes partidos (PSD e PS) não se entenderem, “quem vai desempatar é o terceiro”, numa alusão ao Chega.
“A bola fica nas mãos da terceira força política”, reforçou.
Sobre se o acordo do OE está dependente das propostas sobre as mudanças no IRC e criação do IRS Jovem, o PR recusou “discutir pormenores”.
“Se as convicções são tão fortes, tão fortes, nesses dois pontos, que são mais importantes do que aquilo que considero que é muito importante, que é haver um Orçamento por causa da situação do mundo e da Europa, eu respeito, mas não é o meu ponto de vista“, declarou o Presidente da República.
“Por muito importante que sejam esses pontos, para o Governo manter a palavra e que não cede nisso, para o partido liderante da oposição também não cede nisso… que diabo, na situação do mundo e da Europa, não sei se não era de fazer um ‘esforçozinho’, espero que até ao último minuto”, argumentou o chefe de Estado.
Para Marcelo Rebelo de Sousa não se trata de saber se haverá ou não eleições legislativas ou quem ganha ou perde face a um eventual chumbo do OE.
“Um Governo, que já está pendurado por um fio fraco, com uma maioria fraca, sem Orçamento fica pendurado por linhas“, alertou o Presidente da República, antecipando problemas na gestão económica e financeira do país face à Europa e às agências financeiras internacionais.
Marcelo recusou ainda que o primeiro-ministro Luís Montenegro e o líder socialista estejam condenados a entenderem-se: “Ninguém está condenado porque estamos num país livre. Eu preferiria que eles se entendessem, era o que é natural“, vincou.
Recorde-se que, já no sábado, o chefe de Estado havia sublinhado que, “sobretudo num Governo minoritário”, como é o executivo PSD/CDS-PP liderado por Luís Montenegro, “o programa do Governo tem de se tornar flexível”, estendendo o conselho ao líder da oposição, Pedro Nuno Santos, que aconselhou a “fazer um esforço em relação aos princípios que seriam ideais”.
O secretário-geral do PS respondeu hoje e disse que preferia perder eleições a abdicar das suas convicções e reiterou, a propósito da negociação do Orçamento, que o “tempo da tática política acabou”.
Também o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, defendeu hoje que “este deve ser o tempo de responsabilidade, recato, de defender o interesse nacional e ter sentido de Estado”, esclarecendo que este comentário “serve mesmo para tudo” o que se ouviu ao longo do fim de semana.
Recorde-se que o primeiro-ministro, Luís Montenegro, e o líder do PS, Pedro Nuno Santos, estiveram reunidos pela primeira vez para negociar o Orçamento do Estado para 2025 na sexta-feira, em Lisboa. Após o encontro, o secretário-geral do PS disse que recusaria a aprovação de um Orçamento do Estado que inclua as alterações ao IRS Jovem e IRC propostas pelo Governo, ou qualquer modelação.
De seguida, Luís Montenegro descreveu como “radical e inflexível” a proposta de Pedro Nuno Santos. Ficou prometido, no entanto, que será apresentada uma contraproposta na próxima semana, numa “tentativa de aproximar posições”.
[Notícia atualizada às 19h01]
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