Prodígio mundial do xadrez desafia regras iranianas e surge em jogo sem véu, enquanto apela a uma mudança no regime do país onde nasceu e de onde planeia sair agora.
Além de um nome complicado de escrever, Sarasadat Jademalsharieh, 25 anos, iraniana, tem pelo menos mais duas características: queda para o xadrez e, a julgar pela última jogada, para a insubmissão. Prodígio mundial desde 2012, a jovem (17.ª na lista de melhores do mundo) assumiu uma posição contra o regime do Irão – em ebulição desde a morte de Mahsa Amini às mãos da Polícia da moralidade -, quando decidiu competir sem o véu islâmico no campeonato do mundo de xadrez, que decorre no Cazaquistão, numa manifestação de apoio aos protestos dos últimos meses no país.
Agora, para fugir às represálias de um regime onde o extremismo ideológico muitas vezes mina o sucesso desportivo dos próprios talentos, Sarasadat está a planear mudar-se com o marido, o realizador Ardeshir Ahmadi, e o filho para Espanha, onde a família é proprietária de um apartamento, embora não sejam conhecidos ainda detalhes do processo de autorização de residência ou até se a jovem vai pedir exílio político. “É provável que nunca mais volte”, escreve o “El País”, que conta a história da iraniana.
A jovem prodígio já tinha feito tremer o tabuleiro uma vez quando, em 2019, apoiou publicamente a decisão do compatriota Alireza Firouzja, atualmente o quarto melhor jogador de xadrez do mundo, de abandonar a federação do país. Na altura, em resposta à política do Irão de proibir os seus jogadores de competir com israelitas, o jovem fugiu para França, perdendo por falta de comparência.
Sarasadat aplaudiu a ousadia e, três anos depois, fez xeque-mate (o xeque-mate que pode fazer com as peças que tem) ao regime de Ali Khamenei, aparecendo na competição, em Almati, com o cabelo solto, sem hijab a cobri-lo. Ciente dos riscos que a família pode enfrentar, como tem enfrentado qualquer pessoa que se atreva a pôr em causa o regime iraniano, a jovem ativista avisou nas redes sociais que protestos como os dos últimos tempos se tornarão frequentes caso as regras do jogo não mudem.
Morte espoleta protestos
A morte de Masha Amini, jovem de 22 anos que foi detida e acabou por morrer às mãos da Polícia, por supostamente usar incorretamente o véu islâmico, espoletou, desde 16 de setembro, intensos protestos nas ruas do país. Mais de 400 pessoas já morreram e pelo menos duas mil foram detidas e acusadas de crimes por participarem nas manifestações.
Xadrez proibido
O xadrez chegou a ser proibido no Irão, entre 1979 e 1989, por ser considerado um “jogo diabólico que perturbava as mentes de quem jogava”. Atualmente, o Irão é uma potência do desporto.