Fenómeno da Internet, conhecido pelas declarações extremistas que ameaçam a autodeterminação das mulheres, foi detido por suspeita de violação e tráfico humano. A pegada digital, seguida por milhões de pessoas, sobretudo jovens, é uma enxurrada de opiniões machistas e misóginas.
As mulheres são para “ter filhos, ficar em casa, estar caladas e fazer café” – a frase é uma espécie de “mulheres, sejam submissas aos vossos maridos”, mas numa versão atual, embora não pareça. Se a segunda, que é uma passagem bíblica do Novo Testamento, ainda pode ser justificada pelo fator histórico e temporal, para a primeira há poucas desculpas. Foi dita publicamente em 2022 por Andrew Tate, o ex-pugilista e concorrente de reality shows, feita estrela universal do TikTok, que foi detido na quinta-feira, na Roménia, por suspeita de violação, tráfico humano e organização criminosa.
O anglo-americano de 36 anos, fenómeno da Internet entre o público juvenil, é suspeito, juntamente com o irmão e dois cidadãos romenos, de pertencer a uma organização criminosa que recrutava e explorava mulheres no país, obrigando-as a produzir conteúdos pornográficos para serem partilhados online, sob ameaças físicas e psicológicas. Com o esquema, a rede conseguiria arrecadar elevadas quantias de dinheiro.
Até agora, as autoridades romenas identificaram seis vítimas, que relataram viver sob vigilância permanente, com uma delas a denunciar ter sido forçada a atos sexuais por um dos irmãos, que em abril já tinham sido acusados de sequestrar duas mulheres. Anos antes, em 2016, Andrew acabou expulso da edição britânica do Big Brother em que participava, depois de ter começado a circular um vídeo em que o ex-pugilista surgia a bater numa mulher com um cinto.
Pegada digital de ofensas e misoginia
A pérola que abre o texto é só uma entre as muitas que retrocedem séculos de lutas pela emancipação feminina e pela constante conquista ou salvaguarda de direitos: o anglo-americano, popular pelos comentários machistas e misóginos na Internet, também diz que as mulheres não deviam conduzir, que são propriedade dos homens e que empoderá-las serve para os enfraquecer. Defende que “não há qualquer benefício em ter amigas” se não for para ter uma relação sexual com elas e que “as mulheres não precisam de amigos rapazes além dos namorados”. Acha que as vítimas de violação “se põem a jeito” e devem “assumir a responsabilidade” por esses ataques, prefere sair com jovens de 18 e 19 anos porque é mais fácil “deixar uma marca” e defende a não-monogamia só para homens, não para mulheres, a quem muitas vezes se refere com insultos.
Quando as ideias soltas são contextualizadas, tornam-se ainda mais chocantes: “As relações que eu descrevo não são só perfeitas para o homem. As mulheres são absolutamente felizes a servir um homem e a respeitá-lo. São absolutamente felizes por saberem que têm o melhor homem do mundo a seu lado e que o fazem feliz. São mais felizes com isso do que com a porcaria de uma carreira. ‘Ah, tenho ideias, opiniões e um trabalho’. Tretas! Calem-se. Tenham filhos, fiquem em casa, estejam caladas e façam café. É bom para todos. Não sei como é que isto ainda é controverso”. O chorrilho de asneiras, a que segue outro e mais outro, foi convictamente dito num podcast publicado este ano no YouTube e visto mais de 730 mil vezes – coisa pouca para quem tem milhões de seguidores nas várias plataformas digitais das quais se serve para promover as suas ideologias.
A popularidade de Andrew Tate, vencedor de títulos mundiais como pugilista, disparou muito graças ao TikTok, que, embora repudie “misoginia e outras ideologias e comportamentos de ódio” nos seus termos e condições, acabou por impulsionar os vídeos do ex-pugilista, que, este ano, foi banido do Instagram, Tik Tok, Facebook e Twitter (onde entretanto regressou), pelos vídeos e declarações polémicas com que bombardeava as audiências, essencialmente jovens.
Provocou Greta e levou resposta
A detenção de Tate aconteceu logo a seguir a um desaguisado online com a ativista ambiental Greta Thunberg, no Twitter. “Tenho 33 carros. O meu Bugatti tem um motor w16 8.0L quad turbo. Os meus dois Ferraris 812 Competizione têm 6.5L v12s. Isto é apenas o começo. Por favor dá-me o teu endereço de e-mail para que possa enviar-te uma lista completa da minha coleção de carros e as suas respetivas enormes emissões”, escreveu na terça-feira, em jeito de provocação à jovem sueca, como legenda de uma foto em que surgia junto a um dos automóveis. A resposta não tardou e chegou em estrondo: “Sim, esclarece-me por favor. Envia-me um e-mail para “energiadepé[email protected]”.