“Eu penso que deveria haver muito mais gente aqui e penso também que deveria ser filmado e retransmitido pela televisão com os rostos de todas estas pessoas que estão com máscaras. Eu vim por isso”, disse à Lusa Jesus, de 70 anos, um dos poucos homens que foi ver em pessoa o aparato.

 

Em tribunal, o principal arguido, Dominique Pelicot, de 71 anos, assumiu a hoje culpa por ter, durante dez anos, drogado a sua mulher Gisèle, também com 71 anos, violando-a e permitindo que dezenas de homens que recrutava na Internet a violassem quando estava inconsciente.

Jesus, que se descreveu como marido, pai e avô, espera ainda que “não só a sociedade francesa, mas toda a Europa e não só que as mulheres, mas os homens também” possam ser impactados por este caso para que algo mude no futuro.

Desde antes das 09:00 horas locais (08:00 de Lisboa) dezenas de pessoas foram chegando desde até à hora de almoço para assistir à audiência, que ficou marcada pelo primeiro depoimento de Dominique desde o início do julgamento em 02 de setembro e após uma semana de ausência pelo seu estado de saúde.

A sala de transmissão do tribunal revelou-se pequena para a quantidade de pessoas, que se iam revezando para assistir por algumas horas ao julgamento através de uma projeção da sala onde decorria a audiência.

Do lado de fora, num ambiente calmo, as pessoas, maioritariamente mulheres de todas as idades, aguardavam pacientemente em fila e iam comentando o caso umas com as outras, expressando choque, apoio a Giséle e o que esperam que aconteça aos acusados.

“É uma vergonha, é um caso que devia afetar toda a gente, mas não apenas homens e mulheres comprometidos e, por exemplo, se olharmos para o tribunal, quase só vieram mulheres e isso é uma pena”, lamentou Rachel, de 23 anos.

A jovem criticou ainda os homens franceses, por acreditar que a maioria tem noção dos conceitos de “consentimento e violação”, mas há uma parte que parece não compreender e isto é “uma questão de maior profundidade”, não apenas de educação.

Além de Dominique Pelicot, estão a ser julgados 50 outros homens que terão violado Gisèle Pelicot, hoje divorciada.

“Estou aqui porque sou uma mulher, isto interessa-me, porque é uma mulher que tem quase a minha idade”, disse à Lusa Gisèle, de 67 anos, acrescentando que veio ao julgamento para “apoiar a vítima e os seus filhos, porque ela não está sozinha lá dentro, tem toda a sua família que está confusa” com o caso.

Referindo-se à vítima com a qual partilha o nome, Gisèle acredita que “é uma mulher que tem muita coragem”, acrescentando que o “julgamento delicado” é necessário “para tentar que os homens compreendam que é preciso parar um pouco”.

“Não é comum que haja mais acusados do que vítimas” neste tipo de casos, “isto nunca acontece”, disse à Lusa Mathys, estudante de 19 anos, que foi tentar assistir ao julgamento durante a sua pausa de trabalho.

O estudante que reside perto de Mazan, onde Gisèle e Dominique Pelicot residiam na altura dos acontecimentos, afirmou que o caso “assustador” pela quantidade “enorme” de acusados, “é muito publicado” e “é necessário que as penas sejam as máximas possíveis”.

Também para Elea, “o julgamento é tão público e coberto pelos meios de comunicação social que agora toda a gente o conhece e ninguém o vai conseguir esquecer”.

“Trata-se de uma mulher que não viu o que lhe aconteceu e que apenas pede a sua vida de volta e agora tem de lidar com monstros”, descreveu Elea, de 18 anos.

Este caso “pode afetar qualquer pessoa, portanto se eu estou aqui porque podiam ter-me tocado como mulher” disse Syam, estudante de Direito de 19 anos, referindo a necessidade de ouvir a vítima e “fazer-lhe justiça”.

A França precisa de “reforçar as leis relativas às penas para a violação e a violência sexual” por não serem “suficientemente punidas”, defendeu.

Dezenas de jornalistas também aguardavam do lado de fora da sala, com as câmaras sempre prontas para quando a porta se abrisse.

Os acusados foram os primeiros a sair, todos com máscaras na cara e a multidão ficou agitada, cercando o átrio até à saída, gritando para que tirassem as máscaras e mostrassem a cara.

“Todos eles devem ir para prisão, mas todos. E não só por um ano. Deveriam levar todos, pelo menos, 20 anos”, disse Jesus, acrescentando que “é uma pena que já não exista pena de morte” em França.

Jesus, que se mostrou um grande apoiante de Gisèle Pelicot, considera que algo deveria mudar na educação para que “as mulheres não precisem mais guardar para si” quando sofrem de violação.

“É bom que este julgamento não tenha sido fechado para que as pessoas saibam o que está a acontecer”, para que possam “ver a cara dos acusados” e “ajudar a senhora Pelicot, porque ela tem coragem”, afirmou.

Quando Gisèle Pelicot saiu, acompanhada pelos seus advogados e pelas câmaras, as pessoas entre as quais Jesus, chegaram-se à frente para a ver, aplaudir e lançar palavras de incentivo como “bravo, senhora!”, “coragem!” e “obrigado!”.

Estas palavras foram recebidas com um olhar de Gisèle, que caminhou até à saída em falar, lançando um pequeno sorriso aos apoiantes.

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