Numa carta enviada a vários colaboradores, entidades e agentes ligados à cultura, à qual a Lusa teve acesso, o encenador Jorge Louraço Figueira referiu que o seu trabalho no Constantino Nery terminou, no início de outubro, com a última apresentação do espetáculo ‘Titãs’, ainda que tenha “uma mão cheia” de atividades programadas por si que terão lugar, mas sem o seu envolvimento direto.

 

“Como diretor artístico, é certo que o trabalho terminou muito antes deste outubro. Em sentido estrito, terminou há exatamente um ano, quando o meu contrato de prestação de serviços chegou ao fim, logo após a candidatura do teatro ao concurso de apoios da RTCP [Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses]. Em sentido mais amplo, de facto, o trabalho foi terminando aos poucos: a cada dia em que a promessa de novo contrato não era cumprida, e eu continuava a trabalhar sem remuneração”, descreveu.

Jorge Louraço Figueira entrou em funções como diretor artístico no Teatro Municipal Constantino Nery, equipamento cultural gerido pela Câmara Municipal de Matosinhos, em março de 2023 com um contrato que terminou em outubro do mesmo ano.

De outubro em diante manteve-se na direção artística por sua iniciativa “pelos compromissos a cumprir com autores, atores, músicos, cenógrafos, compromissos firmados no quadro do projeto artístico desenvolvido”, acrescentou.

Entre outros programas e atividades, o agora ex-diretor artístico do Nery é quem assina um projeto da RTCP, que recebeu financiamento da Direção-Geral das Artes (DGArtes) no valor de 800 mil euros (200 mil por ano, até 2027).

“Infelizmente, nunca foi permitido apresentar estas ideias ou anunciar a programação ao público de forma integrada. O projeto pode ser, entretanto, consultado pelos interessados”, lamentou Jorge Louraço Figueira, na carta.

Contactado pela Lusa, o dramaturgo e professor de teatro esclareceu que se manteve em funções por sua iniciativa, “mas sempre com o conhecimento e acordo da autarquia” e destacou a importância de um projeto que assinou e que é apoiado pela RTCP.

“O que aqui está em causa é que um projeto que agora está em risco. É fruto de um compromisso a três [diretor artístico, Câmara Municipal e DGArtes] para quatro anos e, também, por causa disso mantive-me em funções […]. Quanto ao projeto apoiado pela RTCP, os presidentes de câmaras não querem dar a autonomia que se comprometeram a dar quando a candidatura é enviada”, lamentou.

Em causa está uma candidatura que tem como critério, entre outros, “declarar, sob compromisso de honra, que é assegurada a autonomia da pessoa responsável pela direção artística, ou programação, do equipamento cultural, na elaboração e execução do respetivo plano programático”.

O projeto de Matosinhos foi o quinto mais pontuado como se pode ver na tabela de financiamento.

Sobre esta matéria, questionada pela Lusa, a Câmara de Matosinhos referiu que “relativamente à programação aprovada em candidatura, a autarquia cumpriu e cumprirá com os compromissos decorrentes da mesma, como é seu apanágio”.

“O financiamento não está em causa, aliás já foi transferido o valor correspondente ao corrente ano, porque em momento algum foi alterada a programação”, acrescentou a câmara sem responder a questões sobre a assinatura e autonomia do diretor artístico.

Quanto à saída de Jorge Louraço Figueira, a autarquia justificou que este foi contratado através de procedimento de ajuste direto, conforme legislação aplicável, pelo período de sete meses e que lhe foi “sempre transmitido que no final deste período seria aberto um concurso público ao abrigo do [Código dos Contratos Públicos]”.

“Concurso esse que se realizou e se encontra na sua fase final, estando para breve a apresentação de um novo diretor artístico do Teatro Constantino Nery. A presença de Jorge Louraço foi sempre muito intermitente, o que não permitiu criar canais de comunicação consolidados com a equipa bem como com a administração municipal. Não obstante, foi sempre envolvido em todas as decisões para as quais foi contratado, tendo sido incluído nas respetivas equipas de trabalho. A dinâmica de trabalho implicava várias reuniões semanais para as quais se encontrava convocado”, referiu a Câmara liderada pela socialista Luísa Salgueiro.

A agência Lusa contactou a DGArtes, mas não foi possível obter resposta em tempo útil.

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