“Em primeiro lugar, há que desenvolver um plano de ações de estabilização de emergência. Obviamente que aqui temos outra agravante que é, na mesma semana em que acontecem os incêndios, estão previstas chuvas fortes”, afirmou Miguel Jerónimo, coordenador de projetos de reflorestação do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA).

 

O especialista, em declarações à Lusa, acrescentou que, tendo em conta o espaço temporal, é muito difícil de que as ações de estabilização “tenham efeito” antes das chuvas porque “são quase coincidentes” e, por isso, este cenário “é uma consequência de alterações climáticas”.

“A semana passada estávamos naquilo que era um dos melhores anos da última década em termos de incêndios, de ignições. Agora já passámos para aquilo que pode ser talvez o terceiro pior, isto as contas fazem-se no fim. E, de repente, na mesma semana que temos esta catástrofe de incêndios, temos a previsão de chuvas fortes, portanto, o resultado das alterações climáticas está aí”, vincou.

O que levou Miguel Jerónimo a defender que, nos locais onde os incêndios já foram extintos e terminou a fase de rescaldo, devia ser desenvolvido imediatamente “um plano de estabilização de ações de emergência” para evitar derrocadas e proteger infraestruturas.

“Em segundo lugar, é garantir que não temos fenómenos de contaminação dos solos pelas cinzas, as linhas de água, não termos derrocadas”, enumerou o especialista, bem como proteger um “bem essencial para o futuro, que é o solo”, pois a recuperação da catástrofe dos fogos só será viável olhando “para o solo” e conseguindo “trabalhá-lo”.

As ações de estabilização de emergência servem para criar condições para trabalhar o solo, mas para o GEOTA também é preciso “apurar responsabilidades” e compreender o que motivou centenas de incêndios, com situações específicas que devem ser avaliadas, como nos casos de autoestradas abertas com “chamas dos dois lados”, por uma comissão técnica independente, como tem sido prática no continente.

“Depois desta fase, há que olhar para o futuro e é preciso começar a desenvolver aquilo que são os planos de recuperação e revitalização daquelas áreas ardidas. Muito em linha com aquilo que são as políticas da reforma da floresta, que surgiu depois de 2017 e, portanto, essa reforma da floresta já indica caminhos a seguir”, apontou Miguel Jerónimo.

O especialista disse esperar que “não haja a tentação com um novo Governo de reinventar a roda”, pois “um dos grandes problemas em Portugal” passa pela “não implementação de políticas”.

“Quando falamos de transformação da paisagem, em gestão, é [preciso] uma transformação física, é preciso fazê-la, não basta decretá-la”, frisou, admitindo obviamente “ajustes específicos aos territórios que foram afetados”, mas que “haja uma efetiva implementação daquilo que era a visão pós-2017” e dos incêndios de Pedrógão.

No entanto, nos últimos anos, Jerónimo constatou que “houve um certo relaxar” nas medidas de prevenção dos fogos rurais, como aliás a própria AGIF – Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais constatou no seu mais recente relatório, com “um desacelerar” de programas como de transformação da paisagem, aldeia segura ou condomínios de aldeia.

O GEOTA, sublinhou Miguel Jerónimo, “defende há anos a criação de um Plano Nacional de Solos”, numa ótica transversal, não só da questão dos incêndios, mas com a noção de que “sem um solo produtivo” não se consegue “fazer absolutamente nada”.

“Infelizmente, com as alterações climáticas em Portugal nós estamos a viver processos acelerados de desertificação e, como o próprio nome indica, toda a gente sabe que não pode viver, ou que é muito difícil de viver ou sobreviver num deserto”, ilustrou, avaliando que o país tem “solos muito pobres” e que é necessária uma nova dinâmica de ocupação, de gestão e de cuidado com o solo.

Nesse sentido, destacou os Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem que, dos 20 previstos, ainda só tem um em vigor, em Monchique (Algarve), para reforçar que “o problema às vezes nem é tanto a criação de novas políticas, é a implementação daquelas que já existem”.

Em contracorrente, referiu o trabalho do GEOTA nos seus projetos de reflorestação de áreas ardidas, na Serra de Monchique e da Serra da Estrela, mas também no Pinhal de Leiria, “com financiamento 100% privado”, provando “que é possível fazer, é possível ter impacto, desde que haja financiamento” e “interesse no propósito da transformação da paisagem”.

Sete pessoas morreram e 161 ficaram feridas devido aos incêndios que atingem desde domingo sobretudo as regiões Norte e Centro do país, nos distritos de Aveiro, Porto, Vila Real, Braga, Viseu e Coimbra, e que destruíram dezenas de casas.

A área ardida em Portugal continental desde domingo ultrapassa os 121 mil hectares, segundo o sistema europeu Copernicus, que mostra que nas regiões Norte e Centro já arderam mais de 100 mil hectares, 83% da área ardida em todo o território nacional.

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