Vilas Boas, que escreveu, com Amadeu Araújo, investigador do Centro de Estudos da História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, o livro “Moçambique – Da Colonização à Guerra Colonial, A intervenção da Igreja Católica”, que é hoje apresentado em Lisboa, considerou ser “preciso fazer o luto por uma guerra tremenda que fez muitos mortos e, sobretudo, haver também um espaço para um pedido de perdão”.

“O livro pretende recuperar a memória de [bispo] Manuel Vieira Pinto e também chamar a atenção quer da hierarquia [católica] quer de Portugal, como faz Ramalho Eanes no prefácio, chamar para a premência de um luto sobre uma guerra que acabou, mas não foi suficientemente discutida”, defendeu.

Manuel Vilas Boas considera que o perdão que a Igreja Católica deve pedir deve ser feito como fez o papa João Paulo II, que reconheceu “as asneiras da Igreja através da história, pelos graves erros que cometeu desde a Inquisição, passando por outras atitudes, às vezes de malfeitoria”.

“A Igreja terá que porventura aceitar, a Igreja Portuguesa, a Igreja Católica que está em Portugal, a exigência de um pedido de perdão por tudo o que a Igreja fez de menos bem ou de mal mesmo, tendo vivido como viveu o espaço da evangelização” nas colónias, reitera.

Em “Moçambique – Da Colonização à Guerra Colonial, A intervenção da Igreja Católica”, os autores, a pretexto do 50.º aniversário do 25 de Abril e quando se celebram 100 anos do nascimento de Manuel Vieira Pinto, arcebispo emérito de Nampula, decidiram-se pela escrita, a quatro mãos, da História de Moçambique e do papel da Igreja Católica, durante a colonização.

A personalidade combativa e o trabalho pastoral de Manuel Vieira Pinto, figura central da obra, é evidenciada pelo episódio que marcou a sua chegada a Nampula, em 1967: ao desembarcar no aeroporto e após receber cumprimentos das “forças vivas locais”, dignitários do antigo regime, o novo bispo rompe com o protocolo e dirige-se para o local onde estava a população negra.

Depois de saudar uma mulher, pega no filho que ela tem ao colo e ergue-o acima da cabeça, em direção ao Sol, marcando indelevelmente o início do seu pontificado.

“Foi aí que ele perdeu a guerra”, disse Vilas Boas.

A ida de Vieira Pinto para Moçambique tinha sido decidida pelo regime, devido às posições que o bispo antes assumira em Portugal.

“Ele teve a intuição de marchar por uma igreja nova quando se aproximou de um movimento que em Roma estava a ter início nos anos 1950: o chamado movimento por um mundo melhor. E esse mundo melhor antecipava, de certo modo, já as teses que poderiam ser desenvolvidas no Concílio Ecuménico Vaticano II”, que decorreu em Roma de 1962 a 1965.

Mas a ida de Vieira Pinto para Moçambique não correspondeu ao que o regime esperava.

“Salazar teve ali uma dor de cabeça infinita até ao fim”, porque, explicou Vilas Boas, Vieira Pinto “aproximou-se das pessoas, fez a vida com elas. Tinha um respeito grande pelos africanos, que tratava como filhos. Era como se fossem a família dele e não consentia que alguém fosse, quer com palavras, quer com ações, contra os africanos”.

Ganha o coração dos africanos e essa proximidade e o facto de testemunhar a forma como o colonialismo português trata os moçambicanos leva-o a publicar em 01 de janeiro de 1974 a carta pastoral “Repensar a Guerra”, em que questiona as causas da guerra e proclama o direito dos povos à autodeterminação, e o documento “Um Imperativo de Consciência”, de 12 de fevereiro de 1974, que assina com os Missionários Combonianos, e no qual se afirma a autodeterminação e independência de Moçambique como um direito.

As autoridades, num último estertor, reagem e Vieira Pinto é expulso da então colónia pela polícia política do regime, a DGS.

“Esses documentos rebentaram com a situação e tornou-se impossível qualquer paz entre os próprios clérigos, entre as várias entidades civis e religiosas. E iniciou-se um processo que terminou no dia 14 de abril, a 11 dias do 25 de abril”, contou Vilas Boas.

O bispo é expulso juntamente com os missionários Combonianos e, conduzidos para Lisboa sob prisão, é colocado em casa de amigos, nos arredores de Lisboa, a aguardar a partida para o exílio.

“O Estado estava a tentar pegar nele e despejá-lo na terra dos bispos, que é o Vaticano”, acrescenta Vilas Boas.

Com o derrube do regime colonial e dada a amizade com Samora Machel, primeiro Presidente de Moçambique independente, Vieira Pinto regressa e retoma o pontificado em Nampula.

Em 25 de junho de 1975, a convite de Samora Machel, Vieira Pinto assiste à cerimónia solene da proclamação da Independência de Moçambique.

A amizade que mantém com Machel leva-o, e porque continua sempre do lado dos mais desfavorecidos, a escrever ao Presidente moçambicano, em 25 de julho de 1986, uma carta na qual denuncia massacres, execuções arbitrárias, castigos desumanos e torturas, e em que propõe “uma política de verdade e pela não-violência, mais ajustada aos valores da justiça e do amor”.

As contradições da situação política moçambicana e, sobretudo, os efeitos da guerra de agressão do regime segregacionista de ‘apartheid’ da África do Sul, que arma e prepara a RENAMO, obrigam-no a deixar Moçambique uma segunda vez.

Regressa a Portugal e os efeitos da doença de Alzheimer apressam o seu fim, que sobrevém em 30 de abril de 2020, devido à covid-19, quando tinha 96 anos.

Apenas quatro familiares assistiram ao seu funeral, no cemitério da sua terra natal, São Pedro de Aboim, concelho de Amarante.

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