Nas declarações prestadas no Juízo Central Criminal de Lisboa, onde o julgamento do processo das golas arrancou no passado dia 04, o general Mourato Nunes disse que não conhecia os elementos do MAI e que não teve qualquer intervenção na elaboração dos documentos que “procuravam reestruturar a proteção civil”, considerando que o sistema de emergência nacional “tinha colapsado” com os grandes incêndios de 2017.
“Em circunstância alguma me foi dada uma indicação ou sequer uma sugestão de orientar os procedimentos para esta ou aquela empresa. Também não tive qualquer conhecimento das empresas ou gerentes que lidaram com a Proteção Civil”, referiu o arguido, indicando que “os procedimentos foram executados respeitando os normativos legais”.
Mourato Nunes lembrou que assumiu funções na ANEPC em novembro de 2017, “num período extremamente difícil”, e reiterou que o seu papel neste caso passou por “aprovar e celebrar os contratos”.
Defendeu também que é “uma ficção” pensar que algo foi ficcionado nas adjudicações no âmbito do programa “Aldeia Segura — Pessoas Seguras” e que este era “um programa exemplar”.
“Também não tive qualquer intervenção – e não tinha de ter – na decisão do Governo de que as verbas adstritas a este e outros programas deviam ser suportadas pelo Orçamento do Estado ou por fundos comunitários. Para a ANEPC era absolutamente indiferente”, afirmou, rejeitando uma ilegalidade nos procedimentos de ajuste direto com uma suposta simulação de consulta prévia, ao notar que a ANEPC “normalmente consultava três entidades e procurava o preço mais baixo”.
Mourato Nunes explicou também que as golas não eram um equipamento de proteção individual e que chegaram a ser testadas em circunstâncias próximas de um incêndio, tendo superado as expectativas.
“A gola protegia, mas a finalidade principal da gola era capacitar as pessoas de que era preciso, em situações de perigo e que implicassem evacuações, que protegessem as partes normalmente expostas”, esclareceu.
Na sessão de hoje, prestaram ainda declarações o empresário Ricardo Peixoto Fernandes, responsável da empresa Foxtrot, que forneceu os ‘kits’ de proteção, e Adelino Mendes, antigo chefe de gabinete do ex-secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves, que negou qualquer comportamento ilícito ao longo dos procedimentos nesse programa.
“O que queria refutar veementemente era que houvesse qualquer plano, conluio ou concertação de esforços entre arguidos neste julgamento para beneficiar de fundos comunitários, que umas empresas ganhassem em detrimento de outras ou para beneficiar os arguidos neste processo”, resumiu.
O julgamento prossegue na próxima segunda-feira.
Em causa neste processo estão alegados crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder, relacionados com a contratação pública e compra de golas de autoproteção no programa “Aldeia Segura — Pessoas Seguras”, lançado na sequência dos incêndios florestais de 2017.
Entre os 18 arguidos (14 pessoas e quatro empresas) estão o ex-secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves e o ex-presidente da ANEPC, general Carlos Mourato Nunes.
A acusação foi revelada pelo MP em julho de 2022, após a investigação identificar “ilegalidades com relevo criminal em vários procedimentos de contratação pública” no âmbito do programa “Aldeia Segura — Pessoas Seguras”, que foi cofinanciado pelo Fundo de Coesão, considerando que causou prejuízos para o Estado no valor de 364.980 euros, supostamente desviados a favor dos arguidos.
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