Depois de uma antestreia no Teatro Municipal da Guarda, em 01 de maio, o espetáculo concebido para assinalar os 50 anos do 25 de Abril terá duas récitas na Sala Luis Miguel Cintra do S. Luiz, em Lisboa, já esta quinta e sexta-feira, e até outubro subirá depois a seis outros palcos entre Faro e Braga.

“Queríamos assinalar o meio século da Revolução e lançámos o desafio ao Alexandre Delgado, que é um violetista e compositor fabuloso, e ele propôs que criássemos uma ópera a partir da peça que Luís de Sttau Monteiro [1926-1993] escreveu em 1961, para depois a ver censurada e proibida até 1974”, conta à agência Lusa o violinista e cofundador da OFP, Augusto Trindade.

À música e ao libreto que o neto do general assassinado pela PIDE criou para ‘Felizmente há luar’ juntam-se assim cerca de 50 instrumentistas da orquestra, conduzidos pelo maestro Osvaldo Ferreira, e dez atores e cantores líricos, dirigidos pelo encenador Allex Aguillera, assim como o Coro Proarte, orientado por Filipa Palhares.

Nesse elenco destacam-se as vozes do tenor Carlos Guilherme e da soprano Sílvia Sequeira, protagonistas do que Augusto Trindade descreve como “uma história muito atual”, que deve ser particularmente valorizada por dois aspetos: foi escrita quando uma alegoria sobre uma revolta falhada, num dissimulado apelo à revolução, “exigia muito mais coragem do que agora”, e foi musicada pelo descendente “de um dos grandes heróis da História Portuguesa, o que confere a esta ópera um simbolismo e uma carga emotiva muito maior”.

Alexandre Delgado conta que a sua nova obra surge num contexto de propostas recusadas. “Quando o saudoso Joaquim Benite encenou a minha ópera ‘A rainha louca’, em 2011, queria que eu compusesse outra sobre o meu avô, mas eu disse-lhe que não era capaz, por ser um assunto demasiado pessoal. Tinha apenas cinco meses de gestação quando a minha mãe soube que o pai dela tinha sido assassinado”, recorda o músico.

Em 2022, quando Osvaldo Ferreira o convidou a escrever uma ópera sobre o 25 de Abril, o neto de Humberto Delgado também ficou “de pé atrás, dessa vez por achar o tema pouco operático e não querer compor para uma comemoração oficial”.

Foi então que Alexandre Delgado se lembrou que a peça de Luís de Sttau Monteiro “podia fazer todo o sentido”, enquanto “metáfora tão evidente do Estado Novo, sacudido pelas eleições de 1958, que até os obtusos censores salazaristas a perceberam” e, por isso mesmo, a proibiram em solo nacional até vingar a Democracia.

‘Felizmente há luar’ é considerada uma peça fundamental do teatro português do século XX pela forma como retrata, figuradamente, a resistência contra a ditadura do Estado Novo e a censura cultural vigente nesse período.

Luís de Sttau Monteiro inspirou-se na conspiração alegadamente organizada por Gomes Freire de Andrade contra a dominação inglesa, na primeira metade do século XIX, e a partir daí traçou um enredo cheio de paralelos com a ditadura salazarista, explorando questões universais sobre liberdade, poder, coragem e resistência.

Apesar de escrita e publicada em 1961, a peça só teve a sua estreia em palco em 1969, em Paris, e não foi encenada em Portugal antes de 1975, primeiro pelo TEB – Teatro Ensaio do Barreiro e, três anos depois, pela companhia do Teatro Nacional D. Maria II.

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