Em entrevista à Lusa, o professor de Economia na Universidade de Nova Iorque (NYU) e colaborador na AESE Business School considera que há entraves ao crescimento da economia portuguesa que precisam de ser ultrapassados, embora não tenha uma visão catastrófica do estado do país.

“Um fator importante é o excesso de regulação e regulamentação de alguns setores de atividade. Diria que a construção é um bom exemplo. É um caso, um setor em que, por motivo de regulamentação europeia, regulamentação nacional, a nível municipal, a nível nacional, se criou todo um conjunto de regras que tornam o custo de construção não só muito arriscado, mas também muito custoso. Toda a parte da burocracia, de licenciamentos, de planos de impacto, etc., realmente, penso que esta terá sido a década em que menos se construiu, talvez, do último século”, aponta.

Luís Cabral, que esteve em Portugal para apresentar a sessão “Por que motivo não cresce a economia portuguesa?”, no âmbito da primeira edição de 2024 do Observatório de Economia & Finanças da AESE Business School, assinala que, ao olhar individualmente para cada uma dessas peças de legislação que regulam o setor, “todas estão bem intencionadas e todas têm um efeito direto positivo”.

“Requisitos mínimos das habitações, por exemplo, ou planos de construção regionais e municipais, tudo isso são coisas boas em si, com efeitos diretos bons, mas parece-me que nem sempre são vistas como um conjunto, nomeadamente estimando o impacto que isso pode ter, neste caso, na oferta de habitação”, argumenta.

Para o economista, mais do que a simplificação da legislação, o foco deve ser “no próprio processo de criação da legislação”.

Neste sentido, defende uma “avaliação da legislação, quer ex-ante, quer ex-post”, de forma a verificar aquando da criação de uma lei não somente do efeito direto que vai ter de acordo com os seus objetivos, mas também quais os custos de oportunidade que a legislação poderá implicar ao nível de atividade económica.

“Esse exercício, que é muito importante, não tem sido feito. Isto nem é culpa de nenhum governo em concreto, é culpa de todos os governos que temos tido em Portugal nas últimas décadas. Muitas vezes, são feitas simplificações de processos burocráticos que são mais pensos rápidos do que reformas estruturais”, considera.

O economista aponta como exemplo o caso da “empresa na hora”, que considera ter sido uma medida positiva”, mas quando quer começar a fazer qualquer coisa esbarra com todo o processo de licenciamento.

“Teria de ser feita uma reforma mais englobante, não apenas de um pequeno passo no processo de licenciamento. Receberia com muito bons olhos medidas de simplificação do processo de licenciamento, mas, até ver que, de facto, na prática, isto corresponde a uma melhoria do processo, continuo com algum ceticismo”, disse.

Luís Cabral aponta ainda como entrave ao crescimento da economia o sistema da justiça civil, considerando haver espaço para o aumento de eficiência.

Por outro lado, advoga que “pode parecer um bocadinho estranho, mas para diminuir o efeito negativo da burocracia, pode ter de aumentar-se um bocadinho a burocracia”.

“Isto é levar a sério esta ideia de ter uma agência governamental independente, portanto, não governamental, mas, no fim, estadual, independente, de avaliação do custo da legislação. Eu gosto de sempre dizer: ‘se eu agora fosse nomeado ministro das portas e janelas, a primeira coisa que ia fazer é criar medidas mínimas para portas e janelas'”, exemplifica.

Com a comparação, Luís Cabral justifica que quando são atribuídas “certas incumbências de certas áreas da atividade económica” em cargos políticos existe “um incentivo natural a pensar que aquilo é a coisa mais importante do mundo”.

“Não há aqui nenhum juízo de ações, de forma alguma. São sempre bem-intencionada, mas nem sempre tomando em consideração os custos sobre terceiros que estas iniciativas legislativas podem ter”, argumenta.

Na prática, antes de aprovar uma lei em Conselho de Ministros a referida agência faria uma avaliação.

“Também há um aspeto de inércia. Essa lei põe-se na mesa e depois, quer dizer, a revogação é um processo que não tem prioridade, não há nenhum ministério da revogação de leis, não é uma prioridade dos governos. Depois ficam regras, burocracias que às tantas já não fazem muito sentido, mas continuam no papel e, portanto, continuam a estar em vigência”, refere.

O economista destaca ainda que a produtividade da economia portuguesa “em média é baixa”, existindo grandes variações entre setores.

“Diria que reflete mais um fator, na minha opinião, de abrandamento do crescimento da economia portuguesa, que é o que alguns economistas referem como a maldição dos recursos, em que muitas vezes existe um recurso de uma economia que tem um efeito direto muito positivo, mas pode ter um efeito indireto negativo, isto é, absorve ou dirige tanto os recursos da economia em desfavorecimento de outras partes da economia”, indica.

Para o economista, um dos exemplos é o setor do turismo em Portugal, para o qual defende que exista uma aposta, mas tem implicações.

“É uma solução relativamente fácil abrir um restaurante, abrir um hotel. É um modelo de negócio que está bem determinado e que rende. O problema é que são investimentos que geram valores para os investidores, mas que não gerem um valor muito grande adicional para a economia”, considera.

Luís Cabral aponta ser um setor com níveis de produtividade de trabalho muito baixos, aliado a dificuldades de contratação.

Considera também que “muitas vezes há um bocadinho de falta de ambição” e que é visível até na própria linguagem.

“É uma questão cultural, em boa parte. Muitas microempresas familiares. E, portanto, as pessoas pensam, muitas vezes, a nível de cinco, 50 e não de 50 mil. Há uma questão cultural que também tem a ver com uma tradição, que é a tradição de um país pequeno que tem um mercado pequeno”, indica.

“Qual é o mercado português para a arquitetura? É zero hoje em dia. Nós, o segundo país do mundo com mais arquitetos ‘per capita’, temos um mercado assim. Há 50 anos, essa seria a perspetiva correta, provavelmente, pensar no mercado português, porque não havia muitos concursos internacionais, não havia internet, não havia comunicações. A realidade do século XXI é diferente e temos de adaptar a mentalidade correta para esta nova situação”, defende.

Para o economista, é preciso apostar num mercado internacional: “Dizemos que não há mercado, não se constrói em Portugal. So what [E depois]? Está-se a construir muito na China, e no Médio Oriente, e em muitos outros países”, refere.

“É uma mudança de mentalidade que exige passar do típico ateliê de arquitetura com dois arquitetos, mais três assistentes, porque isso não tem escala nenhuma. Como é que eu vou entrar num concurso internacional? Para já, não sei falar muito bem inglês. Segundo, não tenho contactos nenhum destes aqui. Não é simplesmente enviar para lá um projeto”, disse.

Em alternativa, afirmou, “é preciso conhecer as pessoas, falar, é preciso ir lá, o que custa dinheiro”.

“É uma mentalidade muito diferente. A não ser que eu tenha recebido o prémio Pritzker, e nessa altura as pessoas vêm ter comigo. Isso é outra coisa, não é? Mas, se queremos levar a sério esta ideia de mercado internacional tenho de ter uma mentalidade diferente”, disse.

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