A transformação digital no setor financeiro foi um dos temas em análise no primeiro dia do 32.º Digital Business Congress, organizado pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), em Lisboa, que decorre até quarta-feira.
Nesta terça-feira, Paulo Cardoso do Amaral esteve no evento para falar sobre a criação de valor económico a partir daquilo a que chama a “tokenização dos ativos”, um processo que está em curso e que, garante, pode significar ganhos para as empresas e para as economias. “O setor financeiro é apenas o substrato da gestão de todos os outros níveis e setores. A seguir, vamos começar a pensar na tokenização dos ativos reais e de qualquer tipo de direitos de propriedade”, afirmou o professor da Universidade Católica de Lisboa.
Cardoso do Amaral acredita que “devemos utilizar o DeFi [finanças descentralizadas]”, mas defende que, para isso, será necessário regular e eliminar o anonimato das transações. “Isso não é possível na economia real. Podemos permitir a privacidade, mas [a transação] não pode ser anónima”, diz.
Este é um caminho que está a ser percorrido a diferentes velocidades em várias regiões, com a Suíça e a China “muito à frente” do resto do mundo, embora a Europa, assinala o professor, esteja a trabalhar para acelerar a adoção da tecnologia de forma segura. Entre os regulamentos comunitários já aprovados contam-se o MiCA – “para dar cobertura legal e proteção aos investidores” na negociação de ativos como stablecoins ou euro digital – e o Pilot DLT. Este último “é a primeira abordagem na utilização dos tokens [representação digital de um ativo] para ações e obrigações”, algo que, quando em funcionamento, permitirá levar eficiência às transações financeiras e, com isso, “criar mais valor económico”.
Se hoje é apenas possível criar um token de uma empresa, por via das ações, que detenha um imóvel, amanhã, antecipa Cardoso do Amaral, será “o próprio imóvel que vai poder ser tokenizado”. O professor reconhece os desafios ao nível da legislação, mas reforça a sua convicção no potencial que esta transformação do setor financeiro poderá ter para as empresas, “as economias e os espaços geopolíticos”.
Paulo Cardoso do Amaral aponta o exemplo da China, que tem vindo, nos últimos dois anos, a testar a versão digital da sua moeda oficial em cinco cidades do país. “A China deu, na semana passada, mais um passo para transformar o yuan digital numa moeda de comércio internacional”, acrescenta. Para o especialista, isto poderá significar uma utilização generalizada do yuan nas transações internacionais chinesas, deixando cair o dólar. “Deixo-vos pensar no que éque isso pode significar como impacto do ponto de vista do posicionamento estratégico da China no espaço geopolítico”, afiançou.
Banca continuará a estar presente
No debate que se seguiu à intervenção do professor da Católica, Inês Drummond, vice-presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), assegura que a legislação europeia prevê “que o supervisor tenha acesso à informação mais rápido”, o que, à partida, significa maior capacidade de atuação para regular este mercado.
Sobre o espaço que as instituições bancárias terão neste futuro próximo com a transformação do setor financeiro, a responsável não tem dúvidas que “a banca vai ter sempre um papel fundamental” e que deverá continuar a ser um dos principais parceiros das empresas no acesso ao financiamento.
Nuno Rodrigues, representante da ioBuilders, lembra que a “tokenização” dos ativos tem sido liderada por instituições financeiras e gestores de ativos que estão permanentemente “a pensar em novos casos de uso”. “A banca tem um papel preponderante e vai estar sempre presente”, sublinha.