Perda de poder de compra vai condicionar consumo das famílias. Empresas temem efeito.
A poucas semanas de se iniciar a época de ouro para a grande distribuição, o setor depara-se com a crescente perda de poder de compra dos consumidores. Tanto o retalho alimentar como o especializado estão a enfrentar duros desafios, com o aumento contínuo da inflação e a consequente perda de liquidez dos portugueses, quase não dando tempo para respirar depois da crise pandémica. Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), admite que “o país se prepara para enfrentar um ano muito complexo” ao nível do consumo e que é preciso garantir a competitividade das empresas.
“Estamos a assistir a um problema muito sério de perda de poder de compra, que vai retirar orçamento aos portugueses”, aponta por sua vez Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca (associação que representa as empresas de produtos de marca). Na sua opinião, “é a partir de agora que os consumidores vão começar a sentir que a crise se está a agravar”, com o início das aulas e o aumento dos juros da habitação. “É um caldo muito tóxico”, sublinha. Este vai “ser um período muito crítico e vê-se isso nas empresas”.
Nesta conjuntura de elevada inflação, contenção salarial, aumento dos juros do crédito e uma política fiscal pesada para famílias e empresas, o governo está a braços com o Orçamento do Estado (OE) para 2023. O documento, que será conhecido em menos de um mês – a entrega será a 10 de outubro -, poderá responder a alguns anseios das empresas e famílias e, inclusive, importar soluções já aplicadas noutros países da Europa para mitigar os efeitos do aumento do custo de vida.
Este é um debate que a conferência anual do Dinheiro Vivo, que terá lugar a 20 de setembro, no CCB, em Lisboa, irá antecipar, focando o tema Covid, guerra, inflação: Como deve adaptar-se a fiscalidade no OE2023.
Para já, Gonçalo Lobo Xavier lembra que, à semelhança do que sucedeu na pandemia, os desafios do retalho alimentar e especializado são distintos. Os supermercados e hipermercados estão agora a braços com as consequências da inflação. “A cadeia de valor alimentar está altamente pressionada pelo aumento dos custos de produção” e o desafio da grande distribuição, que “está a tornar-se cada vez mais complexo, é ter produtos a um preço equilibrado e remunerar os fornecedores”.
A solução não é simples, tendo em conta que a margem desta atividade é muito baixa, entre os 2 a 3%. Apesar de todas estas dificuldades, o setor alimentar em Portugal é de tal forma concorrencial que “o consumidor continua a beneficiar dos produtos na prateleira e de uma enorme variedade”. Os preços estão a aumentar, mas “a concorrência está a permitir que estejam a subir de uma forma gradual”, frisa.
Já no retalho especializado (lojas de moda, eletrónica, eletrodomésticos, entre outras) a história é outra. Nesta atividade, “que foi massacrada durante a pandemia (os encerramentos a que as unidades foram obrigadas, com as respetivas consequências no negócio), aparece mais um evento que vem complicar a vida dos operadores, quando a economia estava a recuperar”. À escassez de oferta e ao aumento dos preços dos transportes, soma-se a perda de liquidez dos consumidores.
“Na sua racionalidade, [os consumidores] vão privilegiar bens essenciais em detrimento de compras de maior valor, como eletrodomésticos”, lembra o responsável da APED. “Estamos preocupados com estes desafios crescentes que vão impactar negativamente as operações”, sublinha ainda.
Uma das respostas em que o setor vai apostar é no reforço da estratégia de racionalização do consumo de energia, que há mais de dez anos vem sendo trabalhada. “A distribuição é um negócio de eficiência em toda a cadeia de valor e vamos continuar a investir em energia mais sustentável e barata”, adianta.
Mas a APED espera também que o governo dê no OE para 2023 espaço ao setor “para respirar face às obrigações fiscais que tem de cumprir”. Segundo Gonçalo Lobo Xavier, “há questões fiscais do IRS e do IRC e outras, como a tributação autónoma, que impactam a [sua] operação e que mitigadas podem torná-lo] mais competitivo”.
Pedro Pimentel alerta que “as marcas antecipam, pelo menos, um semestre muito mau”, com os consumidores a comprarem menos, a optarem por produtos mais baratos e pelas marcas da grande distribuição.
Além disso, lembra, em 2023 a inflação pode até recuar, mas os preços não vão para os níveis de 2019. E as empresas que representa têm pela frente o desafio dos custos, dos agravamentos dos preços da energia e da logística. Na sua opinião, a grande distribuição irá apostar em poupanças operacionais, nomeadamente na redução de sortidos, o que “é terrível para as marcas”.
Para o responsável, o OE poderia aliviar um pouco estas indústrias com políticas para a área da energia e também com a redução do IRC de forma a impulsionar a competitividade. Já para as famílias, sugere uma redução das taxas de IRS nos escalões mais baixos e uma descida para 4% dos produtos atualmente taxados a 6%.