O antigo Procurador-Geral da República José Cunha Rodrigues comentou, esta quinta-feira, as declarações da ministra da Justiça, Rita Júdice, que disse que era preciso devolver a dignificação e credibilidade na área, assim como “pôr ordem na casa”, em relação ao Ministério Público.

“A senhora ministra usou esses termos como hipérbole porque, de facto, tem já demonstrado várias vezes o respeito que tem pelas magistraturas. O Ministério Público (MP) não é um quartel, é uma magistratura. Quanto ao problema do que é necessário fazer é evidente que se tivéssemos de usar a mesma linguagem, é necessário pôr ordem em muitos setores – não só na justiça, como fora da justiça”, considerou, em declarações à SIC Notícias.

A responsável pela pasta usou “pôr ordem na casa”, expressão comentada e criticada por alguns partidos, em entrevista ao Observador.

Muitos partidos também pediram a ida da Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, ao Parlamento, por forma a dar explicações sobre a atuação do MP, que tem vindo a ser criticado e acusado de alguma falta de comunicação. “Não sei se a Procuradora-Geral da República deve explicações. Desconheço, de todo, o que se tem passado na esfera da Procuradoria-Geral da República. Como cidadão, há uma expetativa geral de que é necessário esclarecer alguns factos. Esperaria que a Procuradora-Geral tivesse a mesma opinião que eu e decidisse esclarecer aquilo que pode esclarecer”, afirmou quando questionado sobre se Lucília Gago ‘devia’ explicações ou não.

Cunha Rodrigues afirmou ainda que em relação aos temas exatos em que possam ser pedidos esclarecimentos, tudo tem a ver com a agenda da comunicação social. “Neste momento, há uma concentração de críticas e suspeitas. E isso não corresponde, de todo, ao que se passa no ministério Público. O Ministério Público tem problemas, obviamente, mas também corpo de magistrados excelente. Seria necessário ver onde estão os problemas. Estão no Ministério Público, em geral na justiça, estão também na comunicação social. Dá a ideia de que a comunicação social pode fazer tudo e não tem deveres em termos de funcionamento numa democracia. isto tem dado azo a aproveitamento”, criticou.

Cunha Rodrigues, que na semana passada considerou que tem havido “abuso” do recurso a escutas, foi também questionado sobre o assunto. “Com novas tecnologias os magistrados têm ao seu dispor meios que nunca conseguiram sequer imaginar e por isso muitas vezes há um desvio na utilização quer das escutas quer de outros instrumentos processuais que são intrusivos, invasivos e que deviam ser aplicados com moderação”, defendeu.

O antigo procurador-geral da República Cunha Rodrigues defendeu hoje que tem havido “abuso das escutas telefónicas”, considerando que “não é admissível” que um governante seja escutado durante quatro anos e que divulgar escutas viola a lei e o bom senso.

Lusa | 22:05 – 21/06/2024

Ainda em relação a um eventual escrutínio a decisões por parte do Ministério Público, Cunha Rodrigues considerou que a situação era “complexa”. “Hoje não se sabe bem que é que decide, quem é que dá ordens e quem é que não dá”, afirmou, falando das hierarquias no órgão. Questionado se é preciso haver uma reforma neste âmbito, o ex-PGR afirmou que era preciso rever o código de processo penal e o estatuto dos magistrados do MP.

“O que está a acontecer hoje no MP tem que ver tanto com a lei, como a ação política, e tem que ver também com uma coisa. Nos últimos  50 anos, a sociedade evoluiu, há hoje relações intersubjetivas, económicas e sociais que são totalmente diferentes. E a justiça não tomou isso em consideração. E depois aparecem bolhas a eclodirem que diria que resultam de complôs entre várias estruturas”, afirmou.

Cunha Rodrigues foi ainda questionado sobre se Lucília Gago ainda tinha condições para continuar no cargo, a três meses de o abandonar, e defendeu que “em princípio, os procuradores-gerais devem assumir o cargo que têm até ao fim”.

Já em relação ao segredo de justiça, tema que também tem vindo a estar em cima da mesa, Cunha Rodrigues lembrou que hoje existe um  “enredo” em termos de dialética para saber se processo penal é público ou não é. “Hoje toda  agente se escusa a falar sobre casos concretos dizendo que está em segredo de justiça […]. Há muitas aporias no nosso sistema que era necessário esclarecer”, afirmou.

Ainda questionado sobre se o chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, deveria intervir neste âmbito, Chunha Rodrigues asseverou: “Presidente da República intervém quando acha que deve intervir. E não devemos estar nós, a ser uma espécie de coro que se junta para requerer que o Presidente fale ou não fale. De resto, ele tem falado muitas vezes sobre a justiça. Mas seria importante, de qualquer modo, uma palavra do Presidente. Podia congregar esforços no sentido de fazer as reformas que são necessárias e que não têm que ver só com o Ministério Público”.

Leia Também: Ordem na casa? Ministério rejeita “escalada de deturpação” da entrevista

Compartilhar
Exit mobile version