A dor persistente na infância pode diminuir a tolerância à dor na adolescência conclui um estudo apresentado hoje no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) que procura prever o risco de desenvolver dor crónica em adulto.

 

Como nome SEPIA [acrónimo de ‘Studying Experiences of Pain In Adolescents’, em português ‘Estudo de experiências de dor em adolescentes’], este estudo teve como objetivo identificar características-chave da dor física durante a adolescência que permitam prever o risco de desenvolver dor musculosquelética crónica na transição para a vida adulta.

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Em declarações à agência Lusa, a investigadora do ISPUP e coordenadora do projeto SEPIA, Raquel Lucas, contou que recorreram a um Teste Sensorial Quantitativo (QST), que mede a resposta à pressão física com base num equipamento computorizado, ou seja, este produz uma pressão padronizada, igual para todos os participantes, que permite caracterizar de modo seguro a sensibilidade à dor numa fase crucial para o desenvolvimento de trajetórias de dor crónica.

“E observou-se que adolescentes com histórico de dor musculoesquelética desde a infância apresentam menor tolerância à estimulação por pressão, o que sugere que a exposição prolongada à dor na infância pode aumentar a sensibilidade à dor na adolescência”, concluiu.

Também foi possível perceber que, ao olhar para as diferenças entre rapazes e raparigas, nas raparigas, a tolerância à dor se mantém praticamente igual com a puberdade.

Por outro lado, no caso dos rapazes, a tolerância à dor aumenta 20% nesta etapa.

“Os estudos em adultos mostram que as mulheres dizem sempre ter mais dor do que os homens. Se perguntarmos a uma mulher e a um homem se teve dor nos últimos três meses, a probabilidade da mulher dizer que sim é mais elevada. Não sabemos porquê. Se é porque é mais aceitável a uma mulher dizer que tem dor do que a um homem. Há quem diga que o homem só se queixa em casa à mãe, à mulher… Com este projeto damos uma componente mais profunda a isto e mostramos que os miúdos já têm este padrão”, descreveu a investigadora.

Foi ainda possível constatar que, nas raparigas, há uma relação estatística entre o Índice de Massa Corporal (IMC) aos 10 anos e a dor reportada na adolescência, aos 13 e aos 17 anos: quanto maior o IMC, maior o risco futuro de dor musculoesquelética.

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De acordo com o estudo, esta relação pode ser explicada por motivos mecânicos ou bioquímicos, mas também pode ser causada por fatores psicossociais.

“Foi possível observar que quanto menor a satisfação do adolescente com a sua imagem corporal, menor a sua tolerância à dor no teste QST”, lê-se no resumo enviado pelo ISPUP à Lusa.

O estudo — que além do ISPUP teve a participação da Sociedade Portuguesa de Reumatologia e do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) — também revelou que os pais têm tendência para subestimar a dor dos filhos, especialmente em casos de dor múltipla e de alta intensidade.

Recordando que nos cuidados de saúde é, por vezes, necessário avaliar a dor pediátrica através dos cuidadores, a equipa do ISPUP faz um alerta sobre a importância que os pais dão ou não aos relatos dos filhos.

No caso dos pais/cuidadores de crianças com Artrite Idiopática Juvenil, constatou-se que os pais lembram e reportam mais a dor dos filhos que está tipicamente relacionada com a doença articular (por exemplo nos joelhos e mãos) e que, por outro lado, não mencionam tanto outras dores que são muito comuns, mas de causas geralmente desconhecidas (como dor de costas, de cabeça ou de barriga), às quais os filhos, nos seus relatos, dão mais importância.

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Outra das conclusões é o de que a dor na adolescência é preditora de menor qualidade de vida no futuro e que a forma como os jovens percecionam a dor é determinante para a formação do seu bem-estar ao longo de toda a vida.

Para desenvolver este projeto – financiado pela FOREUM, uma fundação europeia da área de investigação em reumatologia – os investigadores envolveram cerca de 5.000 participantes, incluindo mais de 2.000 jovens com idades entre os 14 e os 18 anos e os seus cuidadores.

Os jovens foram recrutados através de um grupo já criado para outros estudos relacionados com a dor, a “Geração 21”, bem como através do Registo Nacional de Doentes Reumáticos, o Reuma.pt, que acompanha jovens com Artrite Idiopática Juvenil (AIJ).

A recolha de dados teve início em junho de 2022, através de uma ‘app’ para dispositivos móveis que os jovens e os seus cuidadores usaram para responder a questionários que incluíam perguntas sobre vários aspetos relacionados com a dor.

Sobre a “Geração 21”, Raquel Lucas explicou à Lusa que o grupo começou com 8.647 (atualmente tem cerca de 6.000) crianças que nasceram em 2005/2006 e que têm sido seguidas regularmente aos 4, 7, 10, 13 e 18 anos.

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