O comentador Miguel Sousa Tavares considerou, na quinta-feira, que a recomendação do partido de extrema-direita Chega quanto à alteração do regulamento municipal de habitação em Loures para permitir o despejo dos cidadãos que participaram nos desacatos que se seguiram à morte de Odair Moniz “é inconstitucional”, mas que, “do ponto de vista político, merece discussão”.
“A recomendação é inconstitucional organicamente e materialmente. Organicamente porque se trata de uma sanção nova e materialmente porque se aplicaria apenas no conselho de Loures e apenas aos criminosos que vivessem em habitação social”, começou por enquadrar, no seu espaço de comentário na CNN Portugal.
O antigo jornalista disse ainda que não discorda com as afirmações do presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão, que defendeu o despejo “sem dó nem piedade” de inquilinos de habitações municipais que tenham participado nos distúrbios na Área Metropolitana de Lisboa, uma vez que há a expectativa de “payback”.
“Eu não discordo. Quem andou a queimar autocarros, a pôr em risco a vida dos motoristas e dos passageiros, a queimar os carros dos vizinhos, a queimar património municipal não vingou nem fez justiça à memória de Odair Moniz, não contribuiu para pacificar os espíritos, não contribuiu para nada e provou ser um mau vizinho. Acho que há uma obrigação de quem beneficia de qualquer coisa que tenha que ver com o erário público – seja casas, apoios sociais ou benefícios fiscais – de corresponder. Isto é, como dizem os ingleses, ‘payback’: recebes e pagas, de alguma maneira”, concretizou.
Nessa linha, Miguel Sousa Tavares apontou que, numa perspetiva política, a recomendação “merece discussão”.
“Não acho natural, não acho aceitável que quem anda a destruir o património no seu bairro, dos seus vizinhos e do município [reclame da autarquia e] possa ficar impunemente sentado em casa e de vez em quando apetece-lhe ir à rua e destruir património. Acho que a questão, do ponto de vista legal, como foi proposta, não tem viabilidade alguma; do ponto de vista político, merece discussão”, disse.
Recorde-se que as declarações do autarca, que manifestou ainda a intenção de imputar aos responsáveis pelos desacatos o pagamento dos cerca de 60 contentores que foram destruídos, geraram polémica, tendo o responsável assegurado que “nunca o município se deve sobrepor ou substituir ao poder judicial”.
“As declarações tornadas públicas pela minha intervenção na reunião da Câmara Municipal de Loures eram referentes, única e exclusivamente, a casos transitados em julgado. Nunca o município se deve sobrepor ou substituir ao poder judicial. Nem nunca o fará”, disse Ricardo Leão, em comunicado.
Odair Moniz, de 43 anos, foi baleado por um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) na madrugada de 21 de outubro, no Bairro da Cova da Moura, no mesmo concelho, e morreu pouco depois, no hospital.
Segundo a PSP, o homem pôs-se “em fuga” de carro depois de ver uma viatura policial e despistou-se na Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, “terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca”.
A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa contestaram a versão policial e exigiram uma investigação “séria e isenta” para apurar responsabilidades, considerando que está em causa “uma cultura de impunidade” nas polícias.
A Inspeção-Geral da Administração Interna e a PSP abriram inquéritos, e o agente que baleou o homem foi constituído arguido.
Na semana passada registaram-se tumultos no Zambujal e noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, onde foram queimados e vandalizados autocarros, automóveis e caixotes do lixo, somando-se cerca de duas dezenas de detidos e outros tantos suspeitos identificados. Sete pessoas ficaram feridas, uma das quais com gravidade.
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