Este dado foi revelado hoje à Lusa pela artista Maia Balduz que, juntamente com Liliana Cunha, tem estado a reunir, verificar e filtrar as denúncias e testemunhos que ambas têm recebido através das redes sociais e de um ‘email’ (testemunhasdamusica@proton.me) que entretanto criaram.
“Tivemos a iniciativa de criar o ‘email’ para ser mais fácil gerir todos os testemunhos que estávamos a receber. Muita gente continuou a usar as redes sociais, ainda estamos na fase de juntar tudo. Não é fácil gerir [tanta informação]”, disse.
Existe também um grupo para partilha de testemunhos na plataforma Telegram, mas que não foi criado nem é gerido por Liliana Cunha e Maia Balduz.
“Inicialmente era para vítimas de qualquer área, mas com o caso do João Pedro Coelho tornou-se num sítio em que muita gente do meio musical foi contar as suas experiências. Nós não usamos esses testemunhos, a menos que no-los enviem”, esclareceu a artista.
Liliana Cunha, conhecida no meio artístico como Tágide, fez na semana passada uma denúncia nas redes sociais, tendo inicialmente identificado o alegado agressor apenas pelo primeiro nome, dizendo tratar-se de um pianista de jazz de Lisboa. Mais tarde acabou por revelar tratar-se de João Pedro Coelho, músico e antigo professor da escola do Hot Clube de Portugal.
O pianista refutou as acusações, reclamando “total inocência”, numa publicação partilhada na sua conta no Instagram. “Para reposição da verdade, e reparação da ofensa ao meu bom nome, usarei os meios legais que estão ao meu alcance”, escreveu.
Maia Balduz, “e muitos outros dentro do meio [do jazz]” perceberam “logo a que João se referia” a DJ logo na primeira publicação. Isto porque “havia rumores, mas nada tão grave como o que se passou com a Liliana”.
Liliana Cunha acusou João Pedro Coelho de violação e ‘stealthing’ (não-utilização de preservativo sem consentimento do/a parceiro/a), alegadamente cometidos em 2023.
No entanto, o ‘stealthing’ não é considerado crime em Portugal e as queixas por violação têm de ser apresentadas no prazo de um ano após a ocorrência do alegado crime.
Maia Balduz sente que havia “algo trancado em muitas mulheres” e a partilha de Liliana Cunha veio fazer com que decidissem falar.
“Como comecei a partilhar [no Instagram] mensagens que recebi, começaram a vir muitos ter comigo e a darem testemunhos”, referiu, esclarecendo que “começaram a surgir testemunhos em relação a outras pessoas”.
Maia e Liliana começaram a juntar as informações recebidas numa lista que inclui 27 alegados agressores, todos homens. “Há um caso fora do meio da música, mas como tem vários testemunhos achámos pertinente manter aqui”, contou.
Este número poderá aumentar, visto que as artistas ainda não recolheram todos os testemunhos que receberam através das redes sociais e continuam a chegar denúncias.
Além disso, nem todos os visados estão identificados, porque “há pessoas que têm medo de dizer o nome do agressor, precisam só de um canal seguro para relatarem a sua situação”.
Cada acusado é alvo de várias denúncias, excetuando um, sobre o qual foi contabilizado apenas um testemunho até agora.
“Estamos a traçar os perfis, os padrões. Porque isto é uma espécie de um ‘modus operandi’ que se vai identificando que estas pessoas têm. Acabam por utilizar sempre a mesma maneira de conseguirem o que querem”, referiu.
Nas contas não entra “o diz que disse”. “Só colocamos denúncias de pessoas que oficializam o seu testemunho”, disse. Além disso, há também “muito cuidado com qualquer tipo de testemunho que não esteja muito coerente, porque infelizmente podem sempre chegar coisas que não são reais”.
“Passamos por esse processo de, com os canais possíveis que temos, tentar perceber quão credível é o testemunho. É preciso ter muito cuidado com isso. São muito poucas [as denúncias que não são credíveis], obviamente, porque para ter coragem de falar sobre estes assuntos normalmente são pessoas que vêm falar do que lhes aconteceu”, afirmou Maia Balduz.
As duas artistas não irão expor nomes de vítimas, que são maioritariamente mulheres, mas também há homens, “a menos que alguma queira chegar-se à frente”, nem as situações pelas quais as mesmas passaram.
Os alegados crimes vão do ‘stalking’ (perseguição) ao assédio, violação e agressão.
“Infelizmente em Portugal a maior parte dos crimes prescreve. Houve pessoas que foram apresentar queixa e o crime já tinha prescrito. Nesse aspeto a Justiça não está a servir o seu propósito”, lamentou Maia Balduz.
Alguns casos aconteceram em situações de relações de poder, entre vítima e agressor, como por exemplo professor e aluna.
De acordo com Maia Balduz, houve quem tivesse recorrido às instituições de ensino: “Denunciaram e não aconteceu nada”.
João Pedro Coelho fez parte do corpo docente da escola de jazz do Hot Clube de Portugal, o que levou a instituição a esclarecer, em comunicado na semana passada, que o pianista “cessou funções como professor da escola no ano letivo 2022/23, não sendo associado”, referindo que “o caso reportado [de Liliana Cunha] não está relacionado com a instituição”.
No entanto, a direção do HCP revelou terem sido identificadas “duas situações de assédio no passado ano letivo de 2021/22”, que levaram “ao afastamento dos professores em causa”.
“Como consequência deste processo foi criado um Código de Conduta para a comunidade escolar, assim como um Gabinete de Apoio ao Aluno e um Canal de Denúncia”, referiu.
A direção da escola disse ainda não ter conhecimento de nenhuma queixa ou denúncia em curso, “estando disponível para atuar de imediato em conformidade com as informações que chegarem”.
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