“Esperamos que as coisas não se mantenham como estão agora”, disse Jakilson Pereira, da associação cultural Moinho da Juventude, em declarações aos jornalistas, no final da reunião, em Lisboa, que durou três horas.

 

Para o representante, “é importante” que o Governo apresente “soluções” para os bairros periféricos e adote “medidas, nalgumas instituições, para que as pessoas racializadas e, principalmente, a geração [nascida a partir de] 2000 sinta que é parte integrante deste país”.

Contudo, referiu, não foi isso o que aconteceu na reunião de hoje, que juntou representantes de 15 associações, convocadas pelo Governo “para dialogar”.

“[O Governo] não nos apresentou nenhuma medida em concreto”, transmitiu Jakilson Pereira, mantendo, ainda assim, “alguma esperança” no processo de diálogo iniciado hoje.

Paula Cardoso, da associação Afrolink, descreveu a reunião como “um plano de intenções”, reconhecendo a importância de as associações terem sido chamadas, ainda que no atual “momento de tensão”, para dizerem quais devem ser as prioridades e as políticas do Governo no combate ao racismo.

“Esta é uma iniciativa que deve ser continuada”, instou, mas com “coragem para implementar aquelas que são as propostas que têm vindo das pessoas que estão nos bairros, […] que habitam estes contextos segregados e de profunda desumanização em termos de políticas públicas”.

Isto porque as condições de vida concretas das comunidades dos bairros periféricos “têm sido desprezadas” e exigem uma abordagem que vá além de “cuidados paliativos”, sustentou.

Jakilson Pereira criticou a política de “zonas sensíveis” adotada na última década, “que atirou rótulos para os bairros e que permitiu, no Estado democrático, criar zonas de exceção”.

O representante do Moinho da Juventude considerou que os problemas dos bairros não se resolvem com “força musculada”, lembrando que as políticas públicas adotadas têm gerado “uma bola de neve” de “situações de pobreza”, acompanhadas por “desinvestimento” nas escolas públicas daqueles territórios.

Já Mamadou Ba, da associação SOS Racismo, reconheceu ter ficado “desiludido” com a reunião de hoje, pois esperava que o Governo “apresentasse um caderno de encargos no sentido de […] finalmente ter políticas públicas de combate à discriminação racial, mas não foi o que aconteceu”.

“Saímos com a fome com que entrámos”, descreveu, saudando a “medida setorial na área da habitação” apresentada pelo Governo, “importante se for materializada”, mas insuficiente.

“Uma política ‘ad hoc’ não vai resolver as questões raciais, era preciso uma política transversal”, realçou.

Ainda que esta seja apenas “a terceira vez em 26 anos de militância” em que Mamadou Ba foi convidado para “uma reunião desta natureza”, o ativista não deixou de declarar “insatisfação” por o ministro da Presidência ter reafirmado “apoiar totalmente” a PSP.

Mamadou Ba voltou a exigir a demissão do diretor nacional da PSP (presente na reunião, mas que não usou da palavra, segundo relatou), bem como a suspensão imediata do agente que baleou Odair Moniz, morto há uma semana, no bairro da Cova da Moura.

Mamadou Ba lamentou ainda que o Governo continue “a achar que o racismo não é uma questão estrutural”, criticando as declarações do primeiro-ministro, Luís Montenegro, na segunda-feira, considerando que não há “motivo de preocupação” com o racismo em Portugal.

“O Governo disse que nós interpretámos mal, mas eu acho que o senhor primeiro-ministro falou em português e todos nós percebemos português”, frisou.

A SOS Racismo propôs ainda alterações ao Código Penal para “tornar o combate ao racismo muito mais eficaz”, mas não obteve “uma reação concreta” dos ministros presentes na reunião (Presidência, Administração Interna e Juventude e Modernização), acrescentou.

A iniciativa do Governo surge na sequência dos acontecimentos que se seguiram à morte de Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano de 43 anos, morador no bairro do Zambujal, na Amadora, que há uma semana foi baleado por um agente da PSP, no bairro da Cova da Moura, no mesmo concelho, o que desencadeou tumultos em vários bairros da AML, onde foram queimados e vandalizados autocarros, automóveis e caixotes do lixo. Há cerca de duas dezenas de detidos, outros tantos suspeitos identificados, e sete pessoas feridas, uma das quais com gravidade.

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